Há pouco mais de um ano, durante o último ensaio da minha peça Andaime, no Teatro Vivo, enquanto técnicos e iluminadores aprontavam o palco para a entrada dos atores Cláudio Fontana e Cássio Scapin, o diretor Gabriel Villela, que assinou o cenário e figurino daquela produção, estava sentado sozinho no meio da platéia, lá pela fileira M ou N. Lembro-me assim da cena: ele vestia uma camisa branca de mangas compridas, trazia as costas mal apoiadas no espaldar da poltrona e as pernas displicentemente atiradas no corredor. Estava absorto em algo que ouvia num Ipod - ou talvez fosse um discman. Ficou assim, absorto e distante durante uns quatro minutos - o tempo de uma canção, eu vim a saber depois. Então, pediu para que Elias Andreato, que estava no palco, se dirigisse até ele.
- Tome, Elias, ouça isso - disse entregando os fones ao companheiro.
Elias colocou os fones e ouviu atentamente. Seus olhos demonstravam que algo muito especial estava escapando daqueles fones de ouvido. Depois dos mesmos três ou quatro minutos, Elias retirou os fones e devolveu-os ao Gabriel em silêncio. Antes que perguntasse o porquê daquilo, Gabriel respondeu:
- É Elis Regina cantando Caça à Raposa, do João Bosco e Aldir Blanc. Eu queria que você notasse o respeito com que ela tratava cada uma das palavras que saía de sua boca. Nós temos de fazer, no teatro, o que ela fazia na música: saber reverenciar a palavra. É uma tradição que compete a nós manter.
Elias voltou silencioso para o palco e Gabriel, muito provavelmente, procurou outra coisa para ouvir no seu Ipod. E eu, que estava quieto ali do lado, agradeci ao destino por ter me colocado, mais uma vez, na hora certa e no local certo - ainda que pelo curto período de uma canção.
sexta-feira, junho 06, 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário