sexta-feira, junho 13, 2008

Brincando de Thelma e Louise

Como muita gente, eu devo ter sido mais um a acompanhar preocupado as notícias sobre o desaparecimento das duas adolescentes de São Paulo, que após assistirem à sessão do filme Um Beijo Roubado resolveram picar a mula de ônibus e carona sem dar qualquer tipo de aviso aos pais. Vi, pelos jornais e pelas dezenas de e-mails que recebi durante os dias que elas permaneceram sumidas, a agonia e o desespero das duas famílias. Muitas vezes, estes casos não terminam bem e, embora torcemos desesperadamente por um desfecho otimista, há algo no nosso histórico que já nos faz sofrer por antecipação. Quando soube que elas tinham sido encontradas no Sul, respirei aliviado, por mim e pela família. Mas o susto maior ainda estava por vir. De acordo com o que a imprensa publicou, ao ser questionada por um policial se ela não se preocupava com o sofrimento e a dor dos pais, uma das garotas teria dito: fazer o quê?

Simples assim: fazer o quê? Esta frase não sai da minha cabeça. Quem faz análise já deve ter ouvido centenas de vezes que nós devemos nos considerar o centro do mundo - ou algo bem próximo disto. E que, por isso mesmo, temos de dar prioridade aos nossos próprios sentimentos antes de pensar tanto nos outros. Concordo em parte. Acredito que qualquer pessoa que não veja a si própria como o principal alvo de seus investimentos e preocupações, está condenada a passar por esta vida derrapando, sem chegar a lugar algum. Isto deve ser, imagino, o primeiro mandamento de qualquer livro de auto-ajuda: primeiro eu e, respeitando algumas regras da vida em coletividade, depois os outros. Assim, se existe uma parcela de dor que pode ser administrada, seria de bom tom que esta dor não caísse justamente sobre as nossas próprias cabeças - há um mundo inteiro à nossa volta sobre o qual ela pode ser despejada. Pensar assim parece ser, acima de tudo, uma atitude preservacionista.

Mas a questão que se impõe no caso das adolescentes é a seguinte: havia mesmo a necessidade de tanta dor? Será que a aventura delas e o êxtase da liberdade juvenil seriam menores se, ao parar em um posto de beira de estrada qualquer, elas fizessem uma ligação para os pais dizendo simplesmente que estavam vivas e se divertindo? E que voltariam, ou não, dentro de algum tempo. Mas que, acima de tudo e antes de mais nada, elas estavam vivas, felizes, saltitantes e não amarradas em um porão, vítimas de sequestradores. Se tivessem prestado realmente atenção no filme que viram, teriam notado que a personagem interpretada pela cantora Norah Jones, que também decide cair na estrada sem mais nem menos, enviou um cartão postal para o personagem de Jude Law de cada biboca que ela conheceu no grande deserto americano.

O personagem de Jude Law não era seu pai e nem seu namorado - ainda assim, durante o ano em que ela ficou longe, jamais deixou de avisá-lo que estava tudo bem. Ou seja, saber que aqueles que nos amam e se preocupam com a gente estão bem, é uma garantia extra de que nossa aventura será ainda mais completa. Não consigo me divertir e nem achar graça em nada quando eu tenho a certeza de que esta minha diversão está provocando uma dor desnecessária em alguém que me ame. Babaquice minha? Acredito que não. Simplesmente uma questão de respeito, que a gente já deve trazer do berço. Mas é preciso que alguém nos ensine isso. Que alguém nos mostre que a nossa liberdade pode ser infinda - desde que ela não se transforme em uma arma apontada para a cabeça daqueles a quem amamos e respeitamos.

No final do ano passado, uma garota de 16 anos, filha única, também sumiu da casa de seus pais, vizinhos dos meus na cidade de Jundiaí. Ela namorava um cara bem mais velho e sem emprego. Um dia, a mãe caiu na asneira de dizer que não concordava com o namoro e nem via um futuro bacana para a filha ao lado daquele cara. No dia seguinte, a menina virou pó. A mãe, além de tudo sentindo-se culpada pelo sumiço, caiu num desespero mitológico. Emagreceu perto de 20 quilos, precisou de ajuda psiquiátrica, não dormia e nem comia. Experimentou o inferno em vida. A menina ficou desaparecida quase dois meses. A polícia já não se preocupava muito mais com o caso. Até que um dia a garota ligou para dizer que estava bem, vivendo numa cidadezinha de Minas Gerais, ao lado do tal namorado mais velho, e que queria ser esquecida. Pediu para que a mãe parasse de procurá-la, pois ela não iria mais voltar. A mãe chorou tudo de novo, mas deve ter se sentido mais aliviada por saber que a filha estava viva - ainda que não quisesse mais vê-la. Para encurtar a história: um dia o dinheiro do namorado lá em Minas acabou e os dois voltaram com o rabo entre as pernas, implorando para que a mãe hospedasse e desse de comer para o casal. Este foi o final (feliz?) da história de Jundiaí.

A história das garotas de São Paulo também terminou bem, aparentemente. Viveram uma aventura adolescente, os pais não dormiram e ganharam alguns cabelos brancos, lágrimas foram desperdiçadas em vão... mas tudo bem! Os moderninhos dizem que a rebeldia adolescente é muito bem-vinda e ninguém pode conter os ímpetos juvenis sob o risco de produzir um adulto frustrado mais tarde. E então sejamos todos bem-vindos nesta fase do liberou geral. E que cada um chore por aquilo que é seu. Mas, além da frase "fazer o quê?", há um outro pensamento que não sai da minha cabeça: ainda bem que as meninas viram Um Beijo Roubado, que é quase uma fábula. Já imaginou o que elas teriam feito se tivessem visto Na Natureza Selvagem?

2 comentários:

Anônimo disse...

Diz o título de um livro que, "Quem ama, educa!". Creio que o título, por si só, diz tudo. Fui criada no interior, num tempo em que se brincava nas ruas, tudo muito simples e com muita liberdade. Naquele tempo sonhava em descobrir outras terras e outros lugares que eu só conhecia dos livros, das revistas ou da TV, mas que eu sabia que existia e que conquistaria. Lembro de quando vi pela primeira vez um desses calendários com uma foto do elevador Lacerda, fiquei encantada e disse pra mim mesma, um dia eu vou lá saber como isso funciona. Tenho dois filhos, de 14 e 17 anos. Tenho para com eles uma responsabilidade muito grande, a de educá-los e torná-los cidadãos e principalmente, pessoas felizes. Sei que erramos na nossa tarefa de educar, sei que não existe manual pra se educar filhos. Meu termômetro é o retorno das atitudes deles, é preciso saber interpretar os códigos desse retorno. Quando a minha filha saiu pela primeira vez pra uma "balada" conversamos muito e disse a ela "juízo". Até hoje quando ela sai falamos uma pra outra, juízo. Ela sabe o que quero dizer com isso. Sabe, também, que a confiança é como uma via de duas mãos, e que no dia em que esse tráfego for alterado, as coisas vão mudar entre nós. Espero nunca ouvir a frase:"Fazer o quê?" beijos, Rachel Rocha

alberto disse...

que bela reflexão, serginho! é isso aí. além da 'natureza selvagem', que teriam feito elas se vissem 'thelma e louise'? iriam se atirar do despenhadeiro?