terça-feira, dezembro 04, 2007

Sabe que o show de todo artista....

O amigo Gustavo Fioratti, repórter da Revista da Folha, me liga na noite de domingo para contar, extasiado, que conseguiu comprar ingresso para ver o show da banda Radiohead. Antes que eu dissesse que nem sabia que o Radiohead ia se apresentar em São Paulo, ele já explicou: as entradas eram para o show que a banda fará em julho de 2008, em Milão, na Itália. Ele havia pago algo em torno de R$ 150 pelo ingresso, "já incluída a taxa de entrega". Perguntei como ele faria para ir a Milão. "Isso é o de menos", ele respondeu. "Muito mais difícil é conseguir ingressos, eles costumam acabar no mesmo dia. Passagens e estadia eu vejo depois".

Depois que desliguei o telefone, me bateu um misto de inveja e melancolia. Fiquei pensando se haveria, hoje, um artista, uma banda ou qualquer outra figura do show biz que me despertasse um entusiasmo tão gigantesco. E vi que não. Isso é um pouco triste, de verdade. Porque, acredito eu, os grandes ídolos fazem parte daquele nosso terreno da ilusão. Quando não estamos mais dispostos aos grandes sacrifícios para ver um ídolo, é porque nos cansamos de alguma coisa, é porque deixamos de acreditar em um certo tipo de magia e hipnose que só o palco consegue transmitir - seja ele o de um pequeno teatro ou o de um grande show de rock. Talvez seja uma atitude libertadora também, esta de achar que os ídolos não têm tanta coisa importante assim para nos dizer, que podemos passar muito bem longe deles. Mas confesso que eu gostava mais de mim na época em que me dispunha a passar quatro horas numa fila, em frente ao estádio do Morumbi, para ver o Nirvana ou a Madonna. Hoje eu sei que não faria mais isso. Mudaram os artistas ou mudei eu?

No final da adolescência, quando eu ainda vivia em Jundiaí, apareceu na cidade um produtor chamado Leopoldo Berger. Falador, cabelos longos e negros e um jeitão meio saído de Woodstock, ele prometia transformar a quadra de um tradicional clube local, a Associação Atlética Esportiva, em um grande palco para show de música brasileira. A primeira a acreditar nele foi Elis Regina, que no auge do sucesso aceitou cantar na quadra de basquete da ESportiva numa noite de domingo. Ninguém na cidade acreditava que ela iria, mas foi. Elis abriu o caminho para que outros grandes artistas também acreditassem no empenho de Leopoldo Berger. Assim, a cidade receberia Gal Costa, Moraes Moreira, Raul Seixas, Gilberto Gil, Elba Ramalho, Alceu Valença e, claro, para não menosprezar uma certa breguice interiorana, até mesmo Ray Coniff apareceu por lá. Eu me lembro que nunca os ingressos foram tão caros. E nunca o ginásio ficou tão abarrotado. Ver Ray Coniff, no fim dos anos 70, devia ser muito chique.

Aqueles shows, sempre nas noites de domingo, faziam a nossa semana passar mais rápido. Sabíamos que já nas filas, que começavam no meio da tarde, encontraríamos quase todos os amigos - e que dividiríamos, lá dentro, grandes copos de papel cheios de cerveja quente. Me lembro que Gilberto Gil cantou por mais de três horas, que Raul Seixas precisou ser amparado várias vezes (pouco tempo depois ele morreira), que acabou a força na hora exata em que Elis pisou no palco, que pulamos feito uns alucinados na noite dos Titãs... O grande barato, na segunda-feira, era comentar o que havíamos feito na noite anterior e tentar descobrir quem seria a atração do domingo seguinte. Este agito todo durou uns dois anos. Não sei se Leopoldo Berger desistiu de ser produtor ou se um dia foi embora da cidade, levando com ele a alegria das nossas noites de domingo.

Acho que por isso eu fiquei tão melancólico com o telefonema do Gustavo. Talvez eu quisesse sentir, novamente, este grande prazer que é a espera pelo show de um artista querido. Hoje, sem sacanagem, só de pensar em sair de casa para ir até o Morumbi, por exemplo, pegar trânsito, filas quilométricas para entrar, aguentar a gritaria dos cambistas, os banheiros entupidos, a exploração dos flanelinhas e as horas em pé no gramado eu já começo a bocejar e decido que é muito mais fácil colocar um CD para tocar. É, talvez eu tenha mudado mesmo... Se um dia eu for a Milão, com certeza não será para ver o Radiohead. Embore eu goste muito deles... no rádio do carro, bem entendido!

8 comentários:

Mariana P. disse...

Meu questionamento nos últimos dias é esse, onde foi parar o tesão?

Anônimo disse...

E se não houvesse vídeo, dvd ou tv a cabo e cinema fosse só em sala e com fila e produção difícil, você encararia? O cinema ainda vale a pena?
abraço,
Aimar

F. Vives disse...

Caro, Ray Conniff tocou em Jundiaí na noite em que eu nasci na maternidade da cidade, 29 de março de 1981 (um domingo à noite, de fato). O médico que iria fazer o parto deixou pro assistente, já que ele foi ao show. Escrevi sobre isso no meu blogue há uns meses(propaganda: www.sorryperiferia.blogger.com.br).
Nos anos 90, quando eu era adolescente, houve uma tentativa de voltar estes shows de domingo à noite. Inclusive fui a um dos Titãs. Foi bom enquanto durou.
Há brações.

Só no blog disse...

Aimar, querido. Você pegou no meu calcanhar agora. Cinema, para mim, continua valendo a pena sempre, viu. Além do teatro (às vezes até mais que o teatro, confesso), é o que me anima a sair de casa. Esta semana, depois de ver A Vida dos Outros, vi que ainda há muito a ser dito. E há muito a ser sentido também. Beijo grande.

Anônimo disse...

Saudações,
Muito grato pela nostalgia, estou emocionado.
Continuo firme e forte, mas não mais como produtor.
Após essa época, viajei o mundo e atuo como musicoterapeuta e consultor de empresas...

meu e-mail para contato:
lber@cpdec.com.br

Anônimo disse...

Saudações,
Grato pela nostalgia, estou emocionado.
depois dessa época, viajei o mundo e atualmente sou musicoteraputa e consultor de empresas.

meu e-mail para contato:
lber@cpedec.com.br

grande abraço!
entre em contato!

Anônimo disse...

PREZADOS,
Estava comentando justamente esse assunto com um amigo do trabalho, ele citou todos esses shows; eu particularmente fui o primeiro dos Titãs, Sá e Guarabira, Plebe Rude, Camisa de Venus. Infelizmente não tive a oportunidade de ver Elis nem o Raulzito mas tenho certeza que deve ter sido muito bom........
O triste de tudo isso é ficar sabendo que aquele espaço da ESPORTIVA vai ser ou já foi vendido e vai virar um condomínio..... pelo menos foi o que eu ouvi dizer.....
Grande abraço a todos
Wagner

EUTIVILÁ.COM disse...

Cara voce me fez viajar, meu nome é Rondon e eu divulgava e vendia ingressos na Esportiva para esses shows. Era muito amigo do Leopoldo e trabalhei ainda na adolescencia com ele. Além dos que voce citou lembro-me do Roberto Carlos na Esportiva, aquele Ginásio transformado em Teatro, muito legal....como lembro dos loucos Novos Baianos....que pena que essas coisas passam. Além de produtor creio que o Leopoldo Berger deu uma rica contribuiçao cultural para Jundiai, pena que acabou....abraço e nao desanima.....