domingo, dezembro 16, 2007

Eu só quero chocolate


Desde que eu soube que abriram em São Paulo uma doçaria (eu ainda prefiro falar doceira, mas os dicionários não permitem) chamada O Melhor Bolo de Chocolate do Mundo que eu não consegui mais pensar em outra coisa. Já é difícil imaginar um bolo de chocolate que não seja bom, e então aparece um que é apontado como o melhor do mundo. Este nome chega a ser uma covardia - ele extrapola o nosso paladar para agir até nas nossas melhores lembranças. Seria melhor que aquele bolo de chocolate que as mães costumam fazer nos aniversários quando a gente ainda é criança? Melhor que aqueles bolos de chocolate vendidos em pedaços grandes pelas ruas de Paraty, em carrinhos de vidro que ocupam praticamente todas as esquinas da cidade? Melhor que os bolos de chocolate cobertos com brigadeiro que às vezes alguém cisma de levar em algum jantar?

Passei dias imaginando o bolo. De que tamanho seria? Qual sua consistência? Derreteria na boca ou seria crocante? A fatia seria firme e geométrica ou ela chegaria à mesa molhada e disforme? O sujeito que inventou este nome representa um atentado à nossa imaginação. Ele elevou à superpotência algo que já é um ícone do bem-estar. Bolos de chocolate são o avô do Prozac - dizem que eles operam milagres nas mulheres com TPM, nos solitários das noites de domingo, nos deprimidos leves, em quem acaba de levar um pé na bunda, em quem acaba de dar um pé na bunda, em quem amanheceu com vontade de chorar, em quem tem um nó na garganta que não deixa passar nada, a não ser o próprio bolo de chocolate, e em quem, livre de tudo isso, é apenas guloso e está em paz com a vida e a cintura.

No sábado passado, finalmente, encontrei quatro amigos tão seduzidos como eu pela propaganda do tal bolo a ponto de decidirmos enfrentar o trânsito da Oscar Freire, às vésperas do Natal, apenas para chegar à tal doçaria, acanhada e com mesinhas na calçada. Esperamos pelo bolo feito crianças que esperam por um feriado prolongado e com sol. E então ele veio, em fatias durinhas e cortadas no formato de um triângulo. Cada um muniu-se de um garfo e, silenciosa e rapidamente, abriu os trabalhos de um ritual tão aguardado. Depois do segundo pedaço, vimos que havia pouco a comemorar.

Se o bolo era realmente o melhor do mundo, eu não sei. Só sei que ele não teve culpa de não atender a nenhuma das minhas expectativas. Ele não me transportou a nenhum lugar para onde eu já não tivesse ido, não me trouxe nenhuma memória feliz, nenhuma epifania, nadinha. Era só um inocente bolo de chocolate em cima do qual eu tinha jogado muito mais expectativas do que uma confeitaria inteira seria capaz de suportar. Terminamos de comer o bolo em silêncio e cada um foi para o seu lado. Um foi andar no Ibirapuera, dois foram ao show do Arnaldo Antunes e eu fui ver uma peça no Aliança Francesa. Não sei quanto a eles, mas decidi nunca mais acreditar em nada que me seja vendido como a melhor coisa do mundo. Nestes dias, quando a gente já perdeu a fé no papai noel e nas suas simpáticas reninhas, a propaganda não deveria brincar com os nossos sentimentos desta maneira! Todo mundo anda doido para acreditar em alguma coisa que seja a melhor do mundo. Coitado do bolo, ele até que tentou. Mas é sonho demais para caber num pratinho de porcelana.

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