Ninguém relatou as histórias do Carandiru com tanta autoridade e competência como o médico Dráuzio Varella. Mas hoje, revirando aqui as minhas memórias, me lembrei de um fato ocorrido no presídio e testemunhado por uma velha amiga, experiente repórter policial que escreveu belíssimas matérias para o Jornal da Tarde - se é que se pode chamar de belíssima uma reportagem policial. Mas é que a repórter em questão, Marinês Campos, era tão elegante e observadora que em suas mãos mesmo a mais chocante das chacinas ganhava um quê de delicadeza para afugentar um pouco do horror.
Pois estava Marinês Campos a acompanhar um delegado que, certa tarde, reuniu dezenas de presos para falar sobre a importância da doação de sangue e órgãos. O delegado, antes de entrar no mérito de que as doações poderiam representar uma significativa diminuição nas sentenças, procurava alertar os presos sobre a nobreza e a solidariedade que acompanhavam a decisão de doar algum órgão. O tal delegado, já ao final de sua explanação, decidiu usar como exemplo a doação de rins. Disse que se algum dos presentes se mostrasse disposto a doar um rim, por exemplo, tal gesto poderia salvar uma vida e ainda coroar de humanidade o gesto do doador. Então, um preso que estava lá no fundo da sala, quieto até aquele momento, levantou a mão e indagou ao delegado:
- Doutor, isso que o senhor está dizendo é muito interessante. Mas eu só não entendi uma coisa: esse rim que a gente vai doar tem que ser o nosso?
Surpreso, o delegado disse que não havia entendido a pergunta. O preso, ainda de pé, tornou um pouco mais claro o que já havia provocado uma onda de riso entre seus companheiros. "É que se o senhor me der uma ou duas horas, eu volto aqui com um rim pro senhor. Isso vai diminuir a minha pena?"
A palestra foi encerrada às pressas e Marinês Campos voltou para a redação com outra bela história que nos fazia rir sem saber direito o porquê.
sábado, dezembro 22, 2007
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