domingo, julho 12, 2009

O toque final

Na quinta-feira à noite eu acompanhei, pela televisão, ao belíssimo concerto em comemoração aos dez anos da criação da Osesp, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Estava em companhia de José Roberto Jardim, grande ator e amigo maior ainda, que tocou num assunto sobre o qual eu também já havia pensado várias vezes. Ele desejava saber como se sentia aquele músico que, lá no fundo do palco, executava seu ofício somente no último minuto da sinfonia, fazendo vibrar aqueles imensos pratos metálicos ou batendo sem dó as baquetas sobre o couro esticado dos gigantescos bumbos, extraindo assim um som seco e grave como um trovão. Descobri, depois, que não se deve chamar aqueles instrumentos de bumbos - os músicos se referem a eles como tímpanos. Esses músicos ficam duas horas ali, me disse o Zé, observando atentos ao trabalho ininterrupto dos violinos, violocenlos e flautas, à espera de entrar em cena naqueles instantes em que a plateia já está quase pronta para aplaudir e sair da sala. O que eles devem pensar ao longo de toda sinfonia, ele me perguntou.

Pois bem, por uma dessas coincidências, no sábado assisti a uma entrevista do jornalista americano Gay Talese, famoso pelos perfis que publica há mais de 40 anos na imprensa americana. No meio da entrevista, Talese disse que, se fosse convidado a fazer o perfil de algum músico de uma grande orquestra, jamais escolheria o maestro, o spala, os sopranos ou os flautistas. Ele escolheria falar justamente daquele músico que parece trabalhar por apenas um minuto, levantando-se no fundo da orquestra como a dizer que a sinfonia terminou. Talese disse que ficaria ao lado deste músico, quieto, observando seus movimentos e, se fosse possível, tentando adivinhar seus pensamentos no meio daquela imensa massa sonora. Ou seja, tentando adivinhar com o que ele se ocupa enquanto todos ao seu lado já estão trabalhando há um tempão.

Gostei da coincidência, mas gostei ainda mais de algo que o jornalista disse pouco antes de terminar o programa também. É para se pensar muito a respeito, muito mesmo. Aqui vai:

"O mais importante na vida não são as respostas que temos, mas sim aquilo que nem sabemos como perguntar".

4 comentários:

Mário Viana disse...

Serginho, lembra de uma peça que o Antonio Abujamra fez nos anos 80? "O Contrabaixo". Era a história de um baixista de orquestra que se apaixonava pela soprano. O mais grave e o mais agudo. Era um texto alemão, do mesmo cara q escreveu O Perfume. E foi o primeiro trabalho do Abu como ator.
Desde então, eu sempre estou atento aos contrabaixistas de orquestra. Depois do seu texto, vou me apegar aos timpaneiros também...

Só no blog disse...

Mário, querido. Eu me lembro deste texto, sim. Mas não vi a montagem. Não faz muito tempo alguém me falou sobre isso... O duro é a gente viver no foço da orquestra, né?

Anônimo disse...

Sergio, Puxa!, voce é sempre tão brilhante. Adoro te ler, parece que alimenta a minha alma.beijos, Rachel

Só no blog disse...

Brigadão, querida. O seu carinho é o máximo.
beijos