Muita coisa para fazer e eu passo praticamente a tarde toda diante da televisão, acompanhando hipnotizado o funeral de Michael Jackson. Fui um entre milhões, acredito. Muitos amigos estavam fazendo o mesmo – e comentavam comigo os discursos e os números musicais por meio de torpedos. Fiquei pensando se havia algo de mórbido em assistir a um programa de televisão em que a metade inferior da tela era ocupada por um caixão. Claro que não estávamos diante de um morto qualquer, mas ainda assim cheguei a me estranhar: quase três horas com os olhos pregados em um programa em que se homenageava alguém que se foi há quase duas semanas – um prazo mais que suficiente, na atual velocidade do mundo, para que qualquer tragédia seja assimilada e esquecida. E ainda assim ainda estávamos ali.
Seria o poder da música de Michael Jackson? Seria o encanto dos seus passos inigualáveis? Seria a última parte de um show de aberrações do qual ele foi protagonista durante os últimos anos? Ou seria apenas a observação curiosa de uma dor que, em último caso, não precisa ser necessariamente a nossa? Ou seria apenas a nossa perplexidade ancestral diante da morte – que por fim irá igualar o mais desafinado entre nós, o mais perna-de-pau entre nós, a um gigante como Michael Jackson? Será que, ao observarmos aquele luxuoso caixão diante do gigantesco palco do Staples Center, em Los Angeles, não pensávamos que, a única certeza que ainda temos, é a de que um dia iremos compartilhar da mesma imobilidade na qual Michael Jackson mergulhou – sem tanta pompa, é claro. Um dia, enfim, seremos todos iguais: mudos e imóveis. Será que é isso?
Por mais bizarro que possa parecer, quando a cerimônia terminou eu estava com uma vontade imensa de procurar uma cartomante. Há muitos anos que não procuro uma. Não acredito em quase nada do que elas falam, mas as cartomantes ainda são as únicas a dizer que, com um pouco de cautela, perseverança e cuidado com as pessoas invejosas, todos os nossos planos podem dar certo. E ouvir isso é melhor que tomar Prozac. Para as cartomantes, a pessoa que irá mudar a nossa vida já está a caminho, talvez já tenha até chegado, a gente é que ainda não se deu conta. Se, estranhamente, a tal pessoa ainda não chegou, devemos ficar atentos, porque de setembro não passa. E depois vemos passar setembro, outubro e todos os meses seguintes sem que nada de excepcional tenha ocorrido. E então pensamos que talvez seja setembro do ano que vem – e nos animamos de novo. Isso o Prozac não consegue.
E depois elas detectam uma movimentação atípica na nossa vida profissional. Elas enxergam convites irrecusáveis e entrada de dinheiro. Mas novamente nos recomendam cautela, porque alguém em quem confiamos muito pode querer nos passar a perna. Com a saúde também está tudo bem – talvez um pouco de pressão alta e estresse. Por isso nos recomendam descanso e cuidado na alimentação. Por fim, elas nos abrem um sorriso e terminam a consulta assegurando que tudo está conspirando ao nosso favor. Depende unicamente de como iremos aproveitar a chance. Damos uma nota de R$ 50 para elas e saímos felizes de suas salinhas apertadas, coloridas e com cheiro de incenso. Por um ou dois dias, ficaremos ansiosos como quem espera um presente de Natal.
Daí a rotina nos empurra para o trabalho e todos os demais compromissos. No fim de semana seguinte, já teremos nos esquecido da cartomante e de todo otimismo contido em suas previsões. Talvez só nos lembremos de uma única coisa: a de que temos um futuro. Talvez por isso, depois do funeral do Michael Jackson, eu tive tanta vontade de procurar uma cartomante.
terça-feira, julho 07, 2009
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6 comentários:
olá!
Você não me conhece, não sou uma ilustre jornalista ou algo parecido, não frequento os mesmos ambientes que você, meu blog não faz parte da alta blogosfera...mas é com imenso prazer que te digo que tenho circulado pelas suas palavras há duas semanas quando nem sei porque acabei chegando ao seu post sobre a Morte da Coca - Cola. Quero apenas dizer que gosto demais do seu texto, abstraio, vou passeando, divagando e muitas vezes passando pelos lugares que você cita,afinal, morei em SP muitos anos. Bom, chega. Gostei muito do texto de hoje. Qualquer hora resolvo voltar a escrever no meu blog e quem sabe, não tenho o privilégio de ver vc por lá.
Oi, Lucianna, tudo bem? Pôxa, terei o maior prazer em ler o seu blog. Espero que você volte a escrever mesmo - e depois me passe o endereço para que eu passeie por ele. Beijão e obrigado, sérgio
Serginho, lembrei de uma coisa q ouvi da Lygia Fagundes Telles: ela só lê o horóscopo do dia antes de dormir. "Se passei raiva durante o dia e o horóscopo é otimista, vou dormir tranquila, achando que perdi a paciência à toa".
Sábia é sábia.
Em todo caso, cuidado com a mulher loira.
Muito boa essa, querido. E sempre tem uma mulher loira a nos exigir cuidado, né?A começar pela loira do banheiro....
Kkk... adooreii.
Michael, apesar das bizarrices, mas qm de nos não as tem?
Sabe o que aconteceu? MJ é patrimônio da humanidade rsrs.
Ele tava lá quietinho, de certo modo quase todo mundo é fã ( o mundo, mundo mesmo)e de repente alguém que faz parte da vida da gente morre. Porque o cara fez parte da vida de todo mundo, não tem jeito. Desde que eu nasci eu vejo Michael, ouço Michael.
Uma vida inteira presente e de repente, ainda mais quando anunciava sua volta ( e eu aqui em polvorosa esperando vê-lo), eis que ele empacota. Sacanagem com a humanidade.
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