sexta-feira, abril 24, 2009

Era um vez uma cantora escocesa...

Se chegasse às lojas hoje o já tão aguardado primeiro CD da cantora escocesa Susan Boyle, não tenho certeza se eu o compraria. Não me lembro de ter visto, nos últimos tempos, a mídia mundial cair com tanta voracidade em cima de uma única pessoa – com exceção de Barack Obama, mas neste caso os motivos são compreensíveis. Os sites de fofocas, os jornais e revistas mais sérios, alguns dos colunistas mais lidos e respeitados do país – todos estão declarando seu amor incondicional à cantora de 48 anos, que diz nunca ter sido beijada por um homem e que viu a vida escorrer enquanto cuidava da mãe doente e fazia afagos no gato Peebles. Em questão de dias, parece que todos os nossos sonhos passaram a ter um rosto e um nome: o rosto e o nome de Susan Boyle. É como se ela tivesse sido eleita para nos confortar com a idéia de que nunca é tarde: ainda que de modo enviesado, os nossos sonhos podem se tornar realidade. De minha parte, acredito que é muita responsabilidade em cima de uma única alma. O que as pessoas se esqueceram de dizer – e isto é muito grave – é que para continuar a ser Susan Boyle ela precisa imediatamente deixar de ser Susan Boyle.

Vejamos: ontem ela já apareceu nos jornais com os cabelos tingidos e bem cortados, jaqueta de couro, cachecol e um vestido que, seguramente, favorece suas medidas. Acho isso louvável: mais do que um direito, cuidar da aparência é um dever de cada um de nós. No caso de Susan Boyle, no entanto, acredito que esta é a primeira e a mais ínfima das metamorfoses a que ela será obrigada a se submeter. Penso que todos nós nos deixamos seduzir por Susan Boyle porque ela é, em carne e osso – talvez mais carne do que osso – um personagem de conto de fadas. E eu temo que alguém recém-saído das fábulas talvez não consiga sobreviver no mundo de lobos maus e madrastas crueis que habitam a floresta do show biz. É possível que alguém passe a decidir por ela, a fazer as contas por ela, a falar e a pensar por ela, a indicar o que ela deve ou não vestir, o que ela deve ou não gravar e quais homens entre as centenas que surgirão em seu caminho ela deverá ou não beijar.

Aquela imagem que conquistou o mundo, a da gordinha bem-humorada e requebrando os quadris minutos antes de soltar uma voz abençoada, deverá ser paulatinamente limada de sua trajetória, será reduzida a um evento prosaico e descartável, como um cartão de visitas que decidimos jogar fora. Tenho a impressão de que tudo aquilo que contribuiu para que Susan Boyle se transformasse em Susan Boyle aos poucos deixará de interessar à indústria do entretenimento. Talvez os executivos queiram uma mulher mais magra, talvez queiram que a simpatia interiorana impressa em seu rosto dê lugar a feições mais condizentes com aqueles que venceram sozinhos, talvez decidam que ela nem deva ser uma cantora de musicais, pois Barbra Streisand e Elaine Page já fazem isso muitíssimo bem. Pode haver algo de muito fatalista nestas previsões e eu gostaria sinceramente de estar errado. É que eu olho para o mundo e sinto que não há espaço para uma heroína gordinha, mal-vestida e de lábios virgens. Se Susan Boyle quer ser a imagem dos nossos sonhos, sinto que este sonho pode ser retocado até se tornar irreconhecível. E acredito que, neste instante mesmo, exista uma equipe de plantão pronta para assumir esta função. Que Susan Boyle tenha, então, a aparente força de uma Amy Winehouse, sempre disposta a dar um safanão naqueles que querem mexer com sua vida e sua imagem.

No mundo da música, existe uma lenda cruel conhecida como a maldição do segundo disco. Todo jovem talento, se quiser continuar na profissão, tem de enfrentá-la. É um ritual de passagem que carimba no rosto do artista se ele pode continuar ou era apenas uma doce promessa. No caso de Susan Boyle, a maldição foi antecipada para seu trabalho de estreia. Ela não poderá falhar. Jamais. Terá de dar à luz um álbum absolutamente impecável para honrar todas as apostas feitas em seu nome. Repito: é muito peso para quem, até ontem, sabia segurar apenas o microfone do caraokê da sua cidadezinha. Mas eu torço por ela, sinceramente. Torço para que seu primeiro disco seja lindo e a gente não se canse de ouvir, torço para que bons compositores depositem letras maravilhosas em suas mãos, torço para que ela continue a cantar com a alma e torço, acima de tudo, para que no dia em que ela for assediada nas ruas, ter o rosto em todas as capas de revistas e a conta bancária recheada com milhões de libras, ela não chegue à conclusão um tanto clichê de que era bem mais feliz quando tudo o que tinha na vida era uma mãe de saúde frágil e um gatinho chamado Peebles. Mas torço por ela, principalmente, porque se Susan Boyle foi eleita a porta-voz dos nossos sonhos, de todos eles, eu quero que nossos sonhos terminem bem.

9 comentários:

fátima disse...

você transcreveu os MEUS pensamentos com tanta clareza que até me surpreendeu.

sabe no que penso também? nos outros concorrentes do programa de calouros. deve ser duro participar de algo que se sabe de antemão ser impossível de conquistar, né? (ou ela vai deixar de participar?)

Anônimo disse...

sergim, espero que sua torcida por ela dê certo. mas acho que mais certo vai dar seu ceticismo. eu por mim tenho certeza de que não vou comprar o cd de susan boyle, apesar de a história e o vídeo no youtube terem me comovido muito. e pra falar a verdade não aguento mais ouvir falar em susan boyle. e ela ainda nem estreou pra valer. enfim... abração. guza.

Só no blog disse...

Guzik e Fátima, meus queridos. É impressionante mesmo tudo o que tem sido escrito e dito a respeito desta mulher. Acho que nosso mundo anda precisando de ídolos, vai saber... beijão

Mário Viana disse...

é uma história comovente, concordo, mas aí bate a dúvida. Será verdadeira? Será que não estão nos fazendo de bobos?
A moça canta bem, concordo, mas aquilo parecia um filme americano... Só faltou ela rasgar o rosto e se revelar uma bonitona qualquer... Tomara que eu esteja errado em meu cinismo. Porque sonhar é sempre tão bom, né? Bjs.

Só no blog disse...

Então, Mário, daí quando a gente vê que o dono do programa já é o empresário dela, bem, já fica parecendo coisa do congresso nacional, né!

Anita disse...

Ai, voce fala tudo o que a gente pensa mesmo ! Olha, concordo 100% com o que foi dito no blog do "Papel Pop": sera que e' tao incrivel que uma mesma pessoa tenha cabelos brancos, seja uma coroa gordinha, nunca tenha sido beijada e cante razoavelmente bem ? Quanto alarde. Vamos ver no que ela vai dar. Sou sempre cetica.Rasgar o rosto ? To rindo com o Mario Viana !

Só no blog disse...

Anita, querida. Mais uma vez, brigadão pela presença por aqui.beijão, sérgio

Anônimo disse...

olha, eu posso ser cética demais, mas num gosto de nada que começa assim. Porque a frustração pode ser pior. Torço por ela, como torço por muita gente que tem talento e não cosegue o primeiro passo ou empurrão. bjs rachel

Isabella disse...

meu deus, que texto bom...