Eu nunca gostei muito de ler matérias que nos dão orientações sobre como viver mais e melhor. Invariavelmente, elas vêm acompanhadas de alguns testes muito cruéis. Parei de fazer estes testes quando descobri que, segundo eles, eu devo levar uma vida sedentária, me alimento mal, sou sexualmente frustrado, estou longe da realização profissional e caminho para uma velhice solitária. Mas não estou sozinho neste calvário. Até hoje não encontrei ninguém que satisfizesse a todas às exigências propostas por este tipo de teste. Ou, se tal pessoa existe, ela só conseguiu ser aprovada porque se afastou do convívio social – já que todos os hábitos são condenados nestas matérias, como o fumo, a bebida, as poucas horas de sono, a vida nas grandes cidades, a solidão. Em resumo: nós. Concluí que para ir bem nos testes é preciso, acima de tudo, ser uma pessoa muita chata – e por isso prefiro ficar entre a maioria de reprovados.
Mas confesso que esta semana li com interesse ímpar uma matéria especial da revista Veja sobre o processo de envelhecimento do corpo humano. Assumo que não compreendo algumas estatísticas apresentadas pela matéria. Por exemplo: a reportagem diz que se a gente tomar duas taças de vinho todos os dias pode ganhar mais três anos de vida. Então eu pergunto: três anos a partir de que data? Fico imaginando a cena. Daqui a muito tempo (se Deus quiser) um amigo meu ligará para um outro perguntando assim:
- Nossa, você viu quem morreu?
- Não. Quem?
- O Roveri.
- Jura?
- Juro, morreu hoje.
- Coitado. Quantos anos ele tinha?
- Oitenta.
- Ah, até que viveu bem. Ele devia ter morrido aos 77, mas como passou a tomar duas taças de vinho por dia, ganhou três anos a mais.
- Puxa, que notícia boa. Isso merece um brinde.
- Mas com vinho, né?
- Tim-Tim
- Ao Roveri, que descanse em paz...
Outra parte do estudo revela que se a gente não levar a vida a ferro e fogo, ganha um ano e meio a mais. Deus do céu, agora tem até data quebrada. Como a pesquisa chegou a esta conclusão? Como a ciência pode nos dizer com precisão com que data morreríamos se fôssemos um bando de workaholic sem lazer algum e quando iríamos para a cova se tivéssemos nos filiado à trupe dos bon vivant? Quem não fuma, segundo a revista, pode esperar viver cinco anos a mais. Eu nunca botei um cigarro na boca, de verdade. Então vocês terão de me agüentar, no mínimo, até 2014 – porque eu clamo por estes meus cinco anos extras a partir de hoje.
Mas uma coisa me deixou realmente muito triste na reportagem. Foi saber que, por dia, de 50 a 70 bilhões de células do nosso corpo se suicidam. Isso mesmo, elas se matam deliberadamente. Isso dá uma média de 2,5 bilhões de células se matando por hora. Como eu levo em média meia hora para escrever um post, terei 1,25 bilhão de células a menos quando puser o ponto final aqui. Eu acho que é por isso que, às vezes, a gente sente uma tristeza profunda sem causa definida: é muita célula se matando ao mesmo tempo sem que a gente possa ajudar a salvar as coitadinhas. Em algum lugar isso tem de estourar, não é possível que esta matança coletiva passasse em branco. Imagino outra cena. Uma célula chega para a outra e diz:
- Você não sabe quem acabou de se matar?
- Me conta, me conta...
- Aquelas 576 mil células do intestino reto. Estão dizendo lá embaixo que foi uma ação coordenada. Elas se abraçaram, prenderam a respiração e deram juntas um último punzinho. Não deu tempo de ninguém fazer nada...
- Ah, caguei pra elas. Eram umas cu doce. Não olhavam na cara de ninguém. Parecia que elas tinham o rei na barriga. Já vão tarde aquelas fedidas...
- É, pensando bem, você está certa. Mas...
- Mas o quê? Lá vem você com seu pessimismo de novo.
- É muita célula se matando junta. Já pensou se a moda pega?
- Sai pra lá, eu, hein... Quero morrer de velha.
- Eu também. Vamos fazer um brinde à nossa longevidade, então?
- Um brinde? Mas a cena de cima já terminou com um brinde. Não é falta de imaginação terminar esta assim também?
- Claro que não. A matéria falou em duas taças de vinho por dia. Na cena de cima eles tomaram uma, agora a gente toma a outra.
- Por isso que eu gosto de você, sempre tão inteligente e bonita...
- É o silicone, querida...é tudo silicone.
- Tim-tim
segunda-feira, janeiro 05, 2009
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Um comentário:
Ah, que mau humor de humanóide-depressivo-curtindo-fossa-com-seus-companheiros-eternos (geralmente são o cigarro e o copo de cerveja)...
Opa, você não fuma! Então já ganhou 5 pontos de minha consideração! (não que isso faça muita diferença pra você)
Parei de fazer estes testes quando descobri que, segundo eles, eu devo levar uma vida sedentária, me alimento mal, sou sexualmente frustrado, estou longe da realização profissional e caminho para uma velhice solitária.
Somos 2, meu chapa.
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