terça-feira, janeiro 27, 2009

Velha roupa colorida

Estava almoçando sozinho e pensando na vida (acho que ainda sob influência do filme O Curioso Caso de Benjamin Button, que teima em ficar na minha cabeça ainda que eu não tenha saído tão apaixonado assim do cinema – ou será que saí?) quando entrou no restaurante um senhor de seguramente mais de 70 anos, trajando uma calça azul-marinho, paletó de linho, gravata colorida dobrada ao meio e com os cabelos longos e grisalhos presos à nuca por uma piranha marrom. Sorridente, permitiu que duas pessoas mais jovens passassem na sua frente na fila da salada. Olhei para ele e pensei: aí está alguém que não deve dar muita bola para a passagem do tempo. Ou, no mínimo, alguém que foge um pouco, ao menos no figurino, daquilo que se convencionou esperar de alguém com mais de 70 anos. Continuei e comer e a pensar.

Acho que existe algo de irônico, ou cruel, a respeito da vida: é a crença de que seremos poupados daquilo que não desejamos para nós. Observamos aqueles que vieram antes, aqueles que caíram em algumas armadilhas à nossa frente, e temos quase a certeza de que conosco tudo será diferente – ainda que estejamos a trilhar o mesmo caminho das armadilhas, existe a fé no atalho que irá nos desviar para uma rota mais segura no último instante. E, de repente, no mais prosaico dos dias, nos assustamos com o barulho da nossa própria queda. Logo nós, que parecíamos tão cautelosos e previdentes. Que estávamos seguros da eficácia de um imaginário air-bag nos dado de presente pelo destino, que iria nos poupar das colisões mais doloridas. Que nada.

Então eu vejo que existe uma diferença muito grande entre fugir daquilo que não desejamos e caminhar na direção daquilo que sonhamos. Infelizmente, uma coisa parece não ser sinônimo da outra: evitar o indesejável não significa ir ao encontro da alegria. Me parece que entre as duas coisas existe um limbo gigantesco, dentro do qual passamos quase toda a vida a patinar, como se fôssemos personagens do seriado Lost sem a audiência do horário nobre e a esperança, ainda que remota, de redenção. Não há pessimismo nisso, ao contrário. Ter consciência das duas coisas – do indesejável e da alegria -, cada uma delas em uma das pontas do nosso caminho, ainda que estejamos perdidos no meio dele, é no mínimo sinal de que estamos vivos e atentos. Talvez não seja pouca coisa, não.

Ainda assim, é triste reconhecer que não somos tão especiais, ao menos aos olhos da vida, como acreditávamos ser em algum momento. Às vezes eu acho que eu daria um bom escritor de livros de baixo-ajuda, com esta minha tendência incurável de acreditar que eu não estou Ok e você não está Ok e que as dez pessoas que encontraremos no paraíso serão todos os chefes que odiamos ao longo da vida. E que, ao chegarmos lá, o primeiro deles irá nos abraçar e dizer: quem disse que terminou, tolinho?

Em todo caso, eu vou continuar fugindo daquilo que não quero para mim e, a cada vez que cair em uma armadilha, cairei esperneando e amaldiçoando cada instante da queda, por acreditar, antes de chegar ao fundo, que eu era diferente e especial, sim. Acho que este é o nosso único consolo – afinal, aceitar as regras do jogo nesta altura do campeonato me parece um pouco submisso.

Antes de sair do restaurante, olhei para o prato do senhor de trajes coloridos. Enquanto eu havia traçado dois pedaços de alcatra bem-passados, ele estava comendo sushi e salada de alface. Decidi uma coisa: já que sou muito covarde e convencional para imitá-lo no figurino, não seria má ideia imitá-lo no cardápio. Quem sabe eu também não passe dos 70 sem dar bola para o mundo?

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