quinta-feira, janeiro 22, 2009

Um brinde

Os ponteiros do relógio quebrado marcavam dez e vinte quando ele encheu duas taças de vinho tinto e se sentou para esperar por ela. Pelo vidro embaçado da janela, percebeu que naquela noite a torre da antena de televisão estava iluminada de verde. Até a noite anterior, ele não estava bem certo, a cor era azul. Ele notou que havia mais vinho na taça que devia ser a dela, e com um gole curto e sem cerimônia conseguiu equilibrar a quantidade da bebida nas duas taças. O toque dos seus lábios deixou embaçada a borda da taça que devia ser a dela, mas ele não notou. Os vidros de sua casa, todos eles, nunca foram muito limpos afinal. E foi com o olhar sem brilho na torre de antena da televisão, que voltara a ser azul - será que em algum momento tinha sido verde mesmo? - que ele esvaziou pacientemente sua taça e seus pensamentos.

Antes de pegar no sono, ainda olhou as horas no relógio quebrado pela última vez. Eram dez e vinte. Mas só ele sabia o quanto havia envelhecido.

Na manhã seguinte, ele jogou fora o vinho da taça que devia ser a dela. E tingiu o fundo da pia da cozinha de um vermelho claro e sem paixão.

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