A cidade de Havana é uma Marilyn Monroe aos 80 anos. Você olha para ela e diz: “Uau, como deve ter sido estonteante”. Mas o tempo, o descaso com o patrimônio histórico e a comovente falta de recursos para obras de conservação não destruíram a beleza da cidade; ao contrário, converteram-na em melancolia. O que não deixa de ser, de certo modo, uma manifestação de beleza também, mais contemplativa e calada do que esfuziante. Em algum momento da primeira metade do século 20, vivendo sob algum regime ditatorial de direita, Havana deve ter sido uma Madri à beira-mar, com suas construções imponentes, suas avenidas largas e suas praças bem desenhadas que hoje cheiram a esgoto – assim como quase todas as suas vielas centrais. Como as autoridades locais afirmam que não há assaltos na cidade, já que o porte de armas, ainda que brancas, é exemplarmente proibido, deixar-se perder pelas ruas do centro velho é um convite irrecusável.
Tudo tem gosto de passado em Havana, mas de um passado imperativo, que de alguma forma não permitiu a chegada do presente. A Europa deve estar cheia de cidadezinhas antigas, mas sempre haverá uma lan-house, uma loja da Armani e um McDonald’s a nos lembrar que estamos confortavelmente instalados no século 21. Em Havana, não. O passado nos envolve de tal maneira que avistar alguém falando ao celular, cena raríssima, já provoca quase que um susto. E no meio desta arquitetura esfolada, cujos prédios alquebrados expõem seus fios elétricos e encanamentos como se fossem vísceras, os cubanos cantam, dançam, jogam beisebol em cada terreno baldio ou sentam-se na calçada à espera de alguma coisa que provavelmente não chegará tão cedo.
Entre tantos Chevrolet dos anos 50, de cores que já não existem mais no mercado, circulam alguns Renault, BMW e Peugeout novinhos. Pergunto aos guias de quem são. “Dos funcionários do governo”, eles me respondem, de forma a reforçar a idéia inicial de que no socialismo todos são iguais, embora uns sejam mais iguais que os outros. Há um passeio memorável em Havana, que se torna obrigatório se feito ao fim da tarde – é caminhar por um trecho dos 11 quilômetros do Malecon, aquela calçada murada que protege a cidade das ondas do Atlântico. Talvez se dê ali o por-do-sol mais belo da ilha, mas o espetáculo não é da natureza, e sim das centenas de jovens que sentam-se naquele arremedo de muralha com os olhos perdidos no horizonte. A 140 quilômetros dali está Miami – mas não acredito, sinceramente, que seja esta a paisagem que os olhos deles não alcançam. Penso que eles olham, e talvez sonhem, com alguma coisa que se esconde do lado de lá do mar – na geografia é Miami, mas no coração poderia ser simplesmente o futuro.
Durante os nove dias em que passei na ilha, li com um interesse desmedido o romance Na Praia, do escritor inglês Ian McEwan, a alquimia mais perfeita entre amor e tristeza a que tive acesso nos últimos tempos. O livro, absolutamente essencial, deve ter tido um sabor muito diferente para mim, pois trata-se de narrar uma história que poderia ter sido e não foi. Assim como Cuba, que também poderia ter sido e não foi. O livro certo no lugar certo. Uma tristeza grande, assumo. Mas uma esperança ainda maior.
Tudo tem gosto de passado em Havana, mas de um passado imperativo, que de alguma forma não permitiu a chegada do presente. A Europa deve estar cheia de cidadezinhas antigas, mas sempre haverá uma lan-house, uma loja da Armani e um McDonald’s a nos lembrar que estamos confortavelmente instalados no século 21. Em Havana, não. O passado nos envolve de tal maneira que avistar alguém falando ao celular, cena raríssima, já provoca quase que um susto. E no meio desta arquitetura esfolada, cujos prédios alquebrados expõem seus fios elétricos e encanamentos como se fossem vísceras, os cubanos cantam, dançam, jogam beisebol em cada terreno baldio ou sentam-se na calçada à espera de alguma coisa que provavelmente não chegará tão cedo.
Entre tantos Chevrolet dos anos 50, de cores que já não existem mais no mercado, circulam alguns Renault, BMW e Peugeout novinhos. Pergunto aos guias de quem são. “Dos funcionários do governo”, eles me respondem, de forma a reforçar a idéia inicial de que no socialismo todos são iguais, embora uns sejam mais iguais que os outros. Há um passeio memorável em Havana, que se torna obrigatório se feito ao fim da tarde – é caminhar por um trecho dos 11 quilômetros do Malecon, aquela calçada murada que protege a cidade das ondas do Atlântico. Talvez se dê ali o por-do-sol mais belo da ilha, mas o espetáculo não é da natureza, e sim das centenas de jovens que sentam-se naquele arremedo de muralha com os olhos perdidos no horizonte. A 140 quilômetros dali está Miami – mas não acredito, sinceramente, que seja esta a paisagem que os olhos deles não alcançam. Penso que eles olham, e talvez sonhem, com alguma coisa que se esconde do lado de lá do mar – na geografia é Miami, mas no coração poderia ser simplesmente o futuro.
Durante os nove dias em que passei na ilha, li com um interesse desmedido o romance Na Praia, do escritor inglês Ian McEwan, a alquimia mais perfeita entre amor e tristeza a que tive acesso nos últimos tempos. O livro, absolutamente essencial, deve ter tido um sabor muito diferente para mim, pois trata-se de narrar uma história que poderia ter sido e não foi. Assim como Cuba, que também poderia ter sido e não foi. O livro certo no lugar certo. Uma tristeza grande, assumo. Mas uma esperança ainda maior.
10 comentários:
melancólico...
Em algum momento da primeira metade do século 20, vivendo sob algum regime ditatorial de direita
Pois é, até Fulgencio Batista.
E não acho que na época de Fulgêncio a situação fosse melhor, não. É tristemente irônico isso: o que deveria ser a salvação (tomada do poder por Fidel) foi a perdição.
Ou a perpetuação da perdição.
*suspiro*
Dá vontade de ir até lá com dólares no bolso e sair distribuindo ao povo. Ou "contrabandear" o povo na mala...
Querida, muito obrigado por mais esta visita. É sempre um prazer encontrar seus comentários sensíveis e inteligentes por aqui. beijão
Nunca vi ninguém escrever sobre a ilha com tanta propriedade .
Vc é insuperável !!!
Abs !
Oi querido, passei só pra desejar um feliz 2009, beijão, Erika Riedel
Alberico, meu querido. Muito obrigado por começar o ano visitando o blog. Fico feliz. Obrigado pelo carinho.
Eriquinha, um grande ano pra você também, querida.
beijo grande.
O prazer é todo meu! =)
E a inteligência é toda sua! Afinal o autor desse oásis na blogosfera é você. Não voltaria se não gostasse de seus textos =)
Uêba!!!!! Valeu de verdade. beijão, roveri
é... tudo isso. um dia conversamos mais sobre a viagem de vocês, trocamos experiências? seria gostoso marcar algo com a Ricca. sinto saudades dela!
beijo
ôba, convite topado, querida.
É só marcar. Beijo grande.
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