sexta-feira, novembro 14, 2008

Oinc-oinc-oinc

Hoje de manhã, quando me dirigia para uma reunião no Teatro dos Satyros, parei em um congestionamento na Avenida Doutor Arnaldo. Não haveria nenhuma novidade nisso se na minha frente estivesse um carro qualquer. Mas não. O obstáculo à frente era um caminhão com carroceria de madeira onde se lia: veículo usado para transporte de animais. Pelas fendas da carroceria pude ver que o caminhão transportava talvez uns 30 leitõezinhos que, me desculpem a vulgaridade da comparação, pareciam viajar tão felizes quanto crianças indo de excursão para o Playcenter. Um dos leitõezinhos se divertia (será que podemos empregar este verbo no caso de filhotes de porcos?) jogando feno para fora do caminhão e espreitando com seu focinho rosado o mar de carros à sua volta.

Sabendo em que época do ano estamos, ninguém precisa ser muito esperto para adivinhar qual era o destino dos porquinhos. Acredito que, enquanto escrevo este post, toda aquela alegria já tenha sido esquartejada, carimbada e embalada para decorar a nossa ceia de Natal. Talvez este post seja a coisa mais hipócrita que já escrevi por aqui, mas não me lembro, nos últimos tempos, de ter ficado tão doído diante de uma visão como a dos porquinhos brincalhões. E a hipocrisia se revela no fato de eu saber que, quando chegar o Natal ou outra ocasião ainda mais próxima, eu cairei com um apetite ancestral sobre um pedaço de leitão à pururuca.

Mas ali, enquanto o trânsito não fluía e eu era obrigado a encarar aquele macabro tour suíno pela Doutor Arnaldo, fiquei pensando na questão cultural e nos hábitos alimentares que permitem a nós, humanos, abrir nossas casas e nossos corações para cães e gatos, enquanto abrimos, para os filhotes de outras espécies, nossas bocas e os fornos de nossas cozinhas. Naqueles minutos, que pareceram uma eternidade, pensei em me tornar vegetariano – e sei que agora o meu grau de hipocrisia está atingindo níveis alarmantes. Talvez se eu fosse vegetariano eu pudesse aplacar a minha culpa dizendo que aqueles porquinhos não seriam sacrificados em meu nome. Mas nem este álibi eu tenho.

Esta história, acredito eu, não tem final feliz para ninguém. Os porquinhos já repousam no freezer e eu vou continuar me perguntando até quando meu paladar será saciado com carne e sangue de filhotinhos a quem nunca chamaremos de totó e bichano. E a quem não daremos colo e nem um pedacinho de nossa cama.

Para que a hipocrisia agora escorra pela tela do computador: meu almoço, três horas após me despedir dos porquinhos, foi filé à parmegiana. É tanta contradição, mas tanta contradição, que nem sei por que estou escrevendo isso.

20 comentários:

Rê Gallo disse...

Eu sempre encontro caminhões de porcos na Castello Branco, mas eles nunca me parecem felizes... Sempre enormes e são transportados ultra apertados - e fediiiiidos. Mas morri de rir com os seus leitõeszinhos. Esses que visitam a Capital devem ser mais meigos mesmo, mais felizes e, quiçá, mais saborosos.
Bjs.

Isabella disse...

Tudo começa com a contradição!
Nossa cultura nos faz crescer e acreditar que o leite vem da caixinha, a asinha de frango vem do congelador, a carne é do supermercado.
Bobagem! É dessa contradição que o vegetarianismo tenta conscientizar as pessoas: por que amamos um cachorro e matamos um boi?
Ser vegetariano não é ser radical, é parar para pensar e dizer: eu não quero mais fazer parte deste sistema.
No ano passado eu decidi, do dia pra noite, parar de comer carne. Antes eu achava que era uma decisão radical, que nós precisamos de carne. Besteira! Vivemos bem melhor sem a carne no organismo, nossa digestão fica mais fácil, podemos substituir a carne por muitos outros alimentos. Os médicos e nutricionistas bem atualizados sabem disso!
Você apenas viu porquinhos felizes. Imagine agora um matadouro... Como Paul Mccartney disse certa vez: "Se os matadouros fosse de vidro, todos seriam vegetarianos.".
Sugiro que você assista a este vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=EghRqeZA-TU .
Não quero parecer radical, chata. Você parou para pensar e isso é um avanço enorme! A maioria das pessoas acha que não comemos carne por pena e ridiculariza isto...
Ufa! Mas assista ao documentário, é muito bom...!
Desabafei, né? hehehe!
Um grande beijo!

Anônimo disse...

cara, amei esse post. ficou o máximo. eu penso nessa coisa o tempo todo. e eu sou tão carnívoro quanto tu. não gosto, mas sou. aff! bjs guza

Unknown disse...

Perfeito teu texto, Roveri. Confesso que essa "hipocrisia" vem me perseguindo a cada prato de carne que como ultimamente. Fui assaltada por ela hoje mesmo, enquanto consumia um delicioso galeto al primo canto. Ainda consigo afastar a idéia da minha mente com rapidez suficiente para seguir saboreando as minhas refeições carnívoras, mas não sei por mais quanto tempo.

Anônimo disse...

Nossa, eu entendo vocês todos que comentaram... Eu comecei assim! hehehehe!

Lucianno Maza disse...

No fim do primeiro parágrafo eu abri um sorriso gostoso em imaginar os porquinhos (meio Babe, o porquinho atrapalhado) passeando pela cidade, é o tipo de imagem que me rouba um sorriso dos lábios.
Mas logo em seguida fui me tocando que não, não existem city tour suínos pela cidade e que o grito de um porco sendo morto é de uma agonia sem tamanho.
Sempre tive uma questão ética em comer os porquinhos, vaquinhas, franguinhos e qualquer outros bichos. Desde criança me lembrava do meu cachorro amado quando pensava num açougue. Na época o repertório de palavras era limitado e seus sentidos mais ainda. Animal era, portanto, animal. E comendo um bife me sentia um pouco comendo um parente do meu cachorro. Por isso gostei tanto do seu post!
Depois além do cachorro, eu pensava na minha própria carne. Mas a vida de meio junkie deste escritor me fez continuar comendo carne - só gostava de mal passada. Duas ou três vezes na semana sangue no prato, e assim ia levando a vida.
Fui então começando a experimentar outros caminhos, frequentar vegans, e fiz um processo de reeducação indiano, que me pedia uma semana sem carne. A semana passou, o processo terminou e cá continuo eu depois de seis meses como vegetariano, ou o termo certo: ovolactovegetariano, já que consumo derivados do leite e ovo (não o próprio).
Não é muito fácil, pra alguns a gente se torna pessoa chata, mas tem me feito bem fisicamente e no coração, sei lá. rs Vou te convidar pra irmos almoçar no Nutrisom e discutirmos o assunto Sergio! rs
Mas essa é a minha história, e cada uma tem a sua. E suas contradições. Acho o ser contraditório, rico, humano. E nada mais normal que chorar pelos porquinhos sobre um misto quente com uma grossa fatia de presunto. Faz parte da vida. Da nossa e dos suínos.
Beijos!

Anônimo disse...

ora, ora, ora. meus dedos por um bom bife de chorizo bem macio. e outra, meu caro roveri, dependendo do lado do globo que estivermos, totós e bichamos também dão ótimos e saborosos pratos, como sabem fazer nossos irmãozinhos do oriente. abraço. parabéns pelo blog e, cá pra nós, sei como é difícil rejeitar um leitãozinho à pururuca e um torresminho bem feito

Anônimo disse...

Mas, gente, o porquinho tava atirando sujeira na via pública! enfim, alguma ele aprontou. E mesmo não sendo um carnívoro radical - passo dias e dias sem provar carne e não perco um segundo de sono por isso - não condeno quem gosta. Além do mais, pra mim, podem tirar o papai noel, as renas, a rabanada e o peru. Mas não me tirem o pernil assado, por Deus! Sem pernil, não tem natal. Pronto. Pra mim, pelo menos.
Agora, Isabella, na boa, com todo o respeito. Mas jura que ninguém nunca te contou que leite não nasce na caixinha, que milho não nasce em lata?
Mas acho legal ser vegetariano. Só não todo dia.
Agora, Sergio, passada a emoção dos porquinhos... vamos fazer a festa de fim de ano dos Dramaturgos naquela churrascaria de sempre?
Mário

Anônimo disse...

hihihi.
Mário, as gracinhas começam assim.
Sorte que já estou calejada!

Unknown disse...

Sergio, qualquer dia desse vou fazer um leitão a pururuca e te convido. Como sempre fomos, espero que ainda esteja carnivoro para degustar o assado. Se mudar de paladar posso preparar uma salada de vegetais. Lembre-se: os vegetais também nascem, crescem e morrem portanto são seres de outras espécies também que só não se comunicam, não fazem oinc, não mugem,não bramam,não bufam, não balançam o rabinho,etecetera....

Abç.

Só no blog disse...

Fico muito feliz de ver que os porquinhos estão bombando aqui no blog. E mais feliz ainda de saber que foi levantada uma discussão "saudável" sobre o que comer ou não. Só fiquei preocupado com duas coisas: o rodízio de dramaturgos sugerido pelo Mário e a descoberta da alma das plantinhas anunciada pelo Fransber... Tenho medo de ter limitado demais o cardápio de todo mundo.... Meu Deus, juro que no próximo post vou falar dos cupins que invadiram o meu prédio e o aumento na taxa de condomínio para exterminá-los...

Anônimo disse...

hahaha, foi fantástica a discussão!!!
assistiu ao vídeo?

*Cá* disse...

Adorei seu blog!!!
Posso add aos meus favoritos???

Bjinhos
Catarine

Só no blog disse...

Oi, Catarine, muito obrigado pela visita. Claro, pode adicionar o blog aos seus favoritos, sim. É um prazer.

Isa, querida. Ainda não consegui ver o documentário que a Isabella me mandou. Estou em falta. Mas verei neste fim de semana. beijão e obrigado

Anônimo disse...

muito bom o blog!
E essa de contradição e hipocrisia é barra! vivo nesse dilema. Na minha casa tem um cachorro e um gato, mas todos os dias no almoço comemos outro tipo de animal. É confuso o ser humano, né mesmo? Já tentei ser vegetariana, mas o meu lado carnívoro ainda não deixou. Quem sabe uma dia eu esqueça que aquele filé a parmegiana que está no meu prato é, na verdade, uma parte de um cadáver, rsrsrsrsrs. Só assim pra deixar de comer esses animais, eu acho.
rsrsrsr

Ah, se der visita um blog meu e de uns amigos e vê se vc gosta. Lá ainda não tivemos essa discussão.

www.telacast.blogspot.com

Djegovsky disse...

Muita gente pensa no vegetarianismo como uma questão de "peninha dos animais". Eu prefiro ver como uma questão ética e, principalmente, no me caso, de coerência pessoal.
Vejamos: se eu não concordo que a Nike use mão de obra infantil, é muito natural que eu boicote os produtos da Nike. Se eu discordo do tratamento que os animais têm na indústria de carne, simplesmente não colabora financeiramente com essa indústria.
Palavras de um ex-churrasqueiro convicto que não come carne há seis anos.

Unknown disse...

Gente, voltei depois de um tempão por causa do post sobre o Estradinha. Nesse meio tempo, me dei conta de uma coisa: eu até posso virar vegetariana. Mas conseguirei fazer o mesmo com o meu amado cachorro? :-)

Só no blog disse...

Oi, Cássia, tudo bem? Fique tranquila, eu ainda estou longe de virar vegetariano, viu... Penso nisso, de verdade, mas acho que sou meio primitivo, no fundo...
beijão e obrigado pela visita

Djegovsky disse...

Olha, cães, como nós, são onívoros. Portanto podem sim ser vegetarianos e saudáveis.

Anônimo disse...

O primeiro passo é mesmo a contradição. Depois se vier naturalmente a atenção ao que se faz, fica fácil parar de fazer. O grande problema é que os animais não são caçados, mas desmontados de forma industrial. A evolução natural do homem como animal racional é descartar alimentos que possuam carga de sofrimento. Não há nada que não possamos mudar nas nossas escolhas.