Quando eu trabalhava no Jornal da Tarde, havia duas perguntas típicas do mês de outubro: 1) quem vai entrevistar a mulher que congela comida por duas semanas para poder ficar o dia todo vendo os filmes da Mostra; 2) quem vai descobrir os personagens que tiram férias para se enfurnar sem dó nem piedade dentro dos cinemas? Eu mesmo já corri atrás desses personagens várias vezes. Nunca entendi direito por que devíamos publicar estas matérias todos os anos, já que os personagens diziam sempre a mesma coisa. No caso da mulher dos congelados, seria muito mais fácil para nós, repórteres, republicarmos os textos dos anos anteriores, com uma ou outra alteração no cardápio dos congelados – ela tinha uma preferência assumida por bifes de panela. Havia também um terceiro tipo de personagem, bem mais fácil de ser localizado: o primeiro da fila na primeira sessão da mostra. Todo ano era a mesma coisa – e talvez naquela época fosse um pouco divertido.
No sábado passado fui ver meu primeiro filme da mostra – uma produção argentina chamada El Bosque. Chatinho e maneirista até não poder mais. O diretor, um jovenzinho provavelmente recém-saído de algum curso de cinema, queria provar, a cada take, o quanto ele podia ser original: e dá-lhe tomada do pêndulo do relógio balançando pra lá e pra cá, dá-lhe tomada de buracos na parede... e silêncio, muito silêncio. Fui ver o filme com um amigo psicanalista (e aqui aproveito para dar um recado ao diretor Gabriel Villela: Gabriel, querido, estes amigos de quem eu falo aqui existem mesmo, viu. Inclusive deste amigo psicanalista você gosta muito!). Continuando: antes do início da sessão, o diretor foi convidado a dizer algumas palavras. Era praticamente um adolescente intimidado diante de uma sessão lotada. Falei para o amigo: ou estamos diante de um novo Orson Welles ou estamos perdidos. Não estávamos diante de um novo Orson Welles.
Pouco antes do filme, ao lado do bar, ouço uma voz do passado fazendo o seguinte comentário: “Ontem eu não consegui ver quase nada. Passei a tarde toda dando entrevistas”. Pensei comigo: não pode ser. Mas era. Virei para o lado e lá estava ela, a mulher dos congelados, orgulhosa com sua credencial no peito e todos os roteiros da semana debaixo do braço. Confesso que aquilo me deu uma preguiça imensa e uma pena de igual tamanho. Preguiça por ver que, tantos anos depois, ela ainda é uma das grandes atrações da mostra. E uma certa pena da família que, num sabadão à noite, devia estar em casa vendo A Favorita, enquanto os bifes de panela descongelavam no microondas.
terça-feira, outubro 21, 2008
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2 comentários:
Essas coisas também me dão preguiça, muita preguiça. Minha mostra é light, um filme dia sim dia não. Fui ver "Sonata de Tóquio" no domingo e acho que te vi na fila... Mais uma vez caminhos se cruzando. Como estava bem na frente não foi dessa vez que saí e me apresentei. Um dia. Vi que a Coleira vai sair nas Satyrianas, vou tentar ver, espero que consiga. Se der, a gente se vê.
Um abraço!
Oi, Flávio, tudo bem? Pois é, estas tais maratonas culturais deixam a gente muito cansado mesmo, né? Eu também estou mais light do que nunca. Abração.
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