sexta-feira, outubro 31, 2008

Aconteceu, virou manchete.

Há algumas semanas, trabalhando aqui em casa, vi na Internet que a cantora Ivete Sangalo estava grávida. Não sou particularmente fã da Ivete Sangalo, mas a notícia de sua gravidez me deixou feliz por algum motivo. Eu sempre soube que ela é uma das artistas mais bem pagas do País, que tem avião particular (parece que até mais do que um), que vende horrores e que recebe pequenas fortunas para cada show. A gravidez, na minha ingênua opinião, teria chegado para coroar esta carreira tão vitoriosa. Como ela já deve ter aparentemente tudo que o dinheiro pode comprar, tornar-se mãe parecia a maior das bênçãos. Dois ou três dias após o anúncio da gravidez, começaram a surgir, aqui e ali, fotos do pai da criança: garotão sarado, menino de praia, barriga tanquinho e todo aquele vigor que só mesmo a juventude é capaz de oferecer. Ela, rica, bonita e famosa; ele, até onde se soube, jovem e de uma família bacana. Um casalzinho meio de conto de fadas à espera do herdeiro que seria, na certa, a criança mais fotografada de 2009.

Mas tinha uma pedra no meio do caminho desta fábula. Algumas semanas após o anúncio da gravidez, a cantora perdeu o bebê num aborto espontâneo. Da mesma maneira que eu havia ficado feliz com a notícia da gravidez, me senti sinceramente chateado com o aborto. Eu sempre acreditei que este tipo de ocorrência, ainda que previsível numa gravidez, deve deixar a mulher triste, momentaneamente desesperançosa e com a sensação de ter sido roubada de alguma coisa que ela estava começando a possuir. Minha chateação, porém, durou pouco: nos dias seguintes Ivete Sangalo surgia na capa de todas as revistas semanais, que falavam do aborto como se falassem do lançamento do último CD da cantora.

Talvez eu seja um pouco moralista, quem sabe. Mas eu ainda creio que algumas coisas nesta vida deveriam ficar restritas ao âmbito pessoal. Um aborto, ao que me consta, é uma delas. A morte seria outra. Mas, atualmente, para um tipo de artista, parece não haver mais diferença alguma entre nascimento e morte, sucesso ou derrota, final feliz ou trágico – na vida deles, tudo se resume a mais uma possibilidade de notícia, a mais uma chance de ser capa de revista. Tenho a impressão que, de tão viciadas na mídia, algumas celebridades só acreditam nos acontecimentos de suas vidas a partir do filtro da banca de jornais: se não está na capa da revista, não aconteceu com elas. A delicadeza, a intimidade, a alegria partilhada a dois, a reflexão – tudo isso foi atropelado pelas rotativas.

Como se Ivete Sangalo precisasse de mais uma exposição, como se ela não pudesse, por uma semana em sua vida, se recolher e mandar que alguém avisasse à turba ensandecida de repórteres à sua porta que aquilo pelo que ela estava passando era um momento delicado na vida de uma mulher, que estávamos falando, afinal, de uma gravidez interrompida, algo que não deveria ser usado para vender revistas ou jornais. Que a cantora milionária queria e merecia um pouco de repouso, para seu corpo, sua mente e sua visibilidade.

Pelo visto, Ivete Sangalo não deve pensar assim. Por essas e outras é que a gente vai descobrindo, ao longo da vida, por que gosta mais de alguns artistas e menos de outros. E juro que não tem nada a ver com repertório. Normalmente, o buraco é bem mais embaixo.

3 comentários:

Kiko Rieser disse...

O mundo já virou uma confusão total entre os campos público e privado há tempos... Isso talvez advenha do fato de as pessoas quererem cada vez mais se arrogar o papel de juiz. E as coisas vão se deturpando, se desvirtuando. As cagadas que alguém faz que só dizem respeito a algumas pessoas acabam perdendo sua real gravidade, sua essência, seu significado, sua dimensão, para se transformar em fofoca barata. Isso me assusta muito. Falta tanta generosidade às pessoas. Elas vivem cometendo pequenas atrocidades e, ao verem uma grande, acham que esta define uma pessoa e atiram a primeira pedra, como se nunca tivessem errado, como se a pessoa fosse aquele ato isolado que cometeu. E é quase cíclico: as pesosas, por isso, ficam mais sujeitas a perder o controle e a surtar, ainda que isso não seja desculpa ou justificativa para um ato absurdo. O mundo está de pernas pro ar, Serginho. O ser humano não vale nada. Só se vêem atos perversos, gratuitos, com o único intuito de machucar as pessoas. Pequenas monstruosidades diárias que incorrem no pior erro: a reincidência. O mundo deixou totalmente de ser um bom lugar. Desesperador!!!

Anônimo disse...

perfeito texto perfeito. assino em baixo. eu bom que vc escreveu sobre isso. a coisa tava engasgada na minha garganta. guza

Marcela Prado disse...

achei um show de horror. só faltou tirarem uma foto do feto dentro de um vidro e colocarem na capa da revista.

E esses dias o jormal nacional dedicou quase o programa todo a morte da menina de Santo Andrpe, com direito a imagens ao vivo do velório e entrevista com os recém-transplantados.