Sei que a escritora americana Susan Sontag escreveu um ensaio sobre fotografia que, a julgar pelo que dizem, é um trabalho de mestre. Eu não o li. Tenho medo de me deixar influenciar pelo que ela escreveu e, a partir daí, passar a ver as fotografias com um olhar mais intelectualizado e menos espontâneo do que este que tenho hoje. Nem sei se isso é realmente um risco, mas acho melhor evitá-lo.
Reservei parte do último domingo para jogar fora papéis velhos. Sou daquelas pessoas que guardam o recibo do condomínio por dez anos – pode ser prudente, mas deixa a casa com jeito de museu. Comecei a faxina por uma caixa de camisa onde eu guardava documentos do carro – seguros, IPVAs, notificação de multas, tudo razoavelmente separado ano a ano. E, no meio de tantas guias, encontro uma foto esquecida, tirada no fim dos anos 80, em meu primeiro emprego como jornalista.
Apareço extremamente magro, barba comprida e uma bolsa de couro pendendo do ombro esquerdo. Bolsa de couro combinava com a época e talvez com a profissão. Eu estava cobrindo um evento qualquer, que devia ser festivo, pois há uma bandinha com alguns músicos ao fundo. Já se vão quase vinte anos daquela foto e eu não me reconheço mais naquele rapaz quase torto de tão magro.
Este é o mistério das fotos: você não sabe mais o que foi feito dos vivos. Quando olhamos uma foto de alguém que já morreu, está tudo certo. A história teve um fim e a página foi finalmente virada, ainda que com dor. Mas quando vemos uma foto antiga de alguém que ainda vive, e quando este alguém é você mesmo, a pergunta sobre o que aconteceu com aquela pessoa, o que aconteceu com aquela pessoa que é você, é inevitável. Fiquei com os olhos vidrados naquela imagem e me perguntando quantos dos sonhos que aquele rapaz tinha naquele dia foram realizados? Do que ele precisou abrir mão, ou o que ele precisou agarrar, para se transformar naquilo que eu sou hoje? Em quantos outros pedaços de papel fotográfico ele esqueceu um pouco mais da sua história? Em quantas imagens borradas a vida foi sendo irrecuperavelmente gasta?
Não sei se Susan Sontag escreveu sobre isso em seu ensaio, ou se ela encontrou resposta para algumas destas questões. Ou se ela teria sido capaz de desvendar para onde vamos todos nós, ao mesmo tempo vivos, ao mesmo tempo apagados, ao mesmo tempo congelados em uma imagem que os anos, por um processo inexplicável, transformaram em uma outra pessoa. De quem somos quase íntimos, e de quem sentimos quase nenhuma saudade.
quinta-feira, setembro 11, 2008
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6 comentários:
"Faça uma lista de grandes amigos..."
é por isso que eu queimo todas as minhas fotografias...
Ontem eu tive essas idéias meio existencialistas, meio quânticas, fiquei pensando sobre nossa essência, de onde viemos e o que nos tornamos, o que somos agora, o que fomos e qual pedaço perdemos e qual pedaço de nós mesmos nunca perderemos. Coincidência ler isso no seu blog no dia seguinte.
Gostei muito do texto.
Não leia o livro da Susan.
Abraços.
Alex Wildner
Ontem eu tive essas idéias meio existencialistas, meio quânticas, fiquei pensando sobre nossa essência, de onde viemos e o que nos tornamos, o que somos agora, o que fomos e qual pedaço perdemos e qual pedaço de nós mesmos nunca perderemos. Coincidência ler isso no seu blog no dia seguinte.
Gostei muito do texto.
Não leia o livro da Susan.
Abraço,
Alex Wildner
Oi Mazza, blza de textos, ainda que atrasado, feliz aniversário, bjão
Fala, Fonsa, brigadão querido. E hoje é o seu, não me esqueci, não. Tô esperando o bandido do Azzoni me passar seu telefone. Beijão
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