terça-feira, setembro 30, 2008

Rindo pelo retrovisor

Quem acompanha este blog sabe que raramente eu escrevo sobre teatro. Sempre me senti mais confortável para falar a respeito de outras coisas, para falar daquela fração da vida que se dá longe dos palcos. Eu mesmo não saberia explicar os motivos de o teatro ser um assunto tão escasso por aqui, já que praticamente não existe um único dia em que eu não esteja escrevendo sobre teatro, para teatro ou mesmo vendo teatro. Talvez, e me dou conta disso somente agora, este blog exista justamente para que eu possa desviar meus olhos para outras paisagens menos sagradas que o tablado, mas nem por isso menos interessantes. Se eu me dedicasse a escrever com alguma regularidade sobre teatro, fatalmente me veria tentado a fazer críticas – e neste terreno a internet já está muitíssimo bem servida com as observações sempre precisas que o mestre Alberto Guzik faz em seu próprio espaço. Sobre projetos também não gosto de falar: nesta vida a gente dá tantos chutes na trave que eu aprendi ser muito mais prudente comemorar o gol já feito.

Mas hoje me vi obrigado a abrir uma raivosa exceção. E o que me leva a escrever sobre teatro é a mais que oportuna matéria do eficiente repórter Lucas Neves, publicada na Folha de S. Paulo, sobre esta onda nostálgica que ressuscitou três espetáculos de sucesso dos anos 80 e os colocou em cartaz na mesma época em São Paulo: O Mistério de Irma Vap, Doce Deleite e Brincando em Cima Daquilo. Podia haver algo de saudável neste revisionismo, mas parece que não há. E quem faz questão de propagar que não existe nada de saudável neste triplo regresso são justamente produtores, autores e diretores envolvidos nos espetáculos: eles alegam que as três comédias voltaram à cena porque nos últimos anos a dramaturgia brasileira não produziu textos capazes de arrancar o mais pálido sorriso da platéia.

Eu acredito que a dramaturgia brasileira produziu, sim, muitos bons textos nos últimos anos. Diria mais: poucas vezes, como agora, assistiu-se a uma efervescência tão grande na área de produção, divulgação, debates e leituras de novos textos teatrais. Infelizmente, esta efervescência não encontra eco na coragem de grande parte dos produtores, diretores e atores renomados. Contrariando o preceito mais fundamental do mundo das artes, aquele que diariamente injeta risco e ousadia no cotidiano do artista, estamos vivendo uma época em que produtores e uma certa categoria de atores resolveram eliminar da atividade teatral a incerteza, a novidade e o improvável. Diante da dúvida, diante do impasse, diante do desafio do novo, eles, amedrontados, correm em busca da proteção segura do riso empoeirado dos anos 80. Se deu certo lá atrás, pode dar certo de novo – ainda que o país seja outro, que os hábitos sejam outros, que a realidade seja outra e que o próprio humor seja outro. Nada disso tem importância diante de uma bilheteria que parece reluzir ao final de cada sessão. Temerosos em dizer que numa época de incertezas econômicas, em que alguém vai dormir milionário e acorda miserável, é mais conveniente investir no conhecido, eles alegam que a culpa é do novo. Ou pior: que a culpa é da inexistência do novo.

O novo existe, sim, e em quantidade avassaladora. Que nem sempre o novo é bom, concordo totalmente. Mas nem sempre o velho é bom também – e, dos três espetáculos acima citados, um dá prova disso de quinta a domingo para quem estiver interessado em conferir. Talvez eu não esteja sendo ético, elegante e respeitador com os colegas neste comentário, mas acredito que, como eu, todos os autores brasileiros sentiram-se agredidos ao ler a reportagem de hoje. Que queiram remontar sucessos de trinta anos atrás, não vejo problema algum nisso. São Paulo é a cidade brasileira com o maior número de salas de espetáculos do país – e, com um pouco de paciência e diplomacia, é possível acomodar a todos. E existe, como foi dito na matéria, uma geração mais jovem curiosa para saber do que os seus pais tanto riam nos anos 80. O problema é dizer que se recorre ao passado porque o presente não tem qualidade. O problema do presente – sim, meus amigos, há um problema no presente – é que o presente não oferece segurança, o presente nos acena com o risco, o presente nos acena com o novo. O presente, meus caros, dá medo. E eu sempre achei que tudo isso, o medo, o desafio, o risco e a insegurança formassem o cardápio da refeição diária do artista. Mas percebo agora que a comida congelada parece ser mais atraente.

Aos entrevistados da matéria de hoje, faço aqui um convite público: visitem o Espaço dos Parlapatões, passeiem pelas Satyrianas, assistam às leituras do ciclo Letras em Cena do Masp, às leituras do Banco do Brasil, da Caixa Econômica, compareçam ao Festival do Grotesco que o Next vai realizar neste mês de outubro, vejam as dezenas de festivais de cenas curtas e cômicas que pipocam pela cidade. Se, depois de tudo isso, vocês continuarem achando que nada foi feito de bom nos últimos 20 anos, eu prometo apagar este post e morder minha língua no meio da Praça Roosevelt. Por que na Praça Roosevelt? Simples: porque ali a gente perdeu o medo da novidade e decidiu que botar a culpa na ditadura ficou uma coisinha tão sem graça, tão anos oitenta....

10 comentários:

Lucianno Maza disse...

Genial Sergio!
Com a sensibilidade do dramaturgoperário e a contundência do jornalistatento.
Me sinto como autor, artista, e homem muito bem representado por suas palavras.
É triste constatar mais uma vez a triste realidade de muitos artistas autistas que se isolam e fingem não ver o mundo que os acolhe, onde hoje temos em profusão grandes escritores, muitos na cena teatral. Um movimento que vem crescendo e se renovando, na construção de uma dramaturgia de nosso tempo e de nosso país.
Fico assustado quando dizem, na matéira que não tem texto de qualidade hoje, dá vontade de passar pro e-mail dessa gente os sessenta que lemos em dois anos de DRAMA TEMPO no Rio, ou ainda os muitos outros incríveis que ficaram de fora.
Absolutamente nada contra aos textos de outrora, mas tudo a favor da dramaturgia de hoje!
Beijos

Viralata disse...

Fiquei curioso tb com a reportagem e com uma pulga atrás da orelha. Por um momento achei que estivessemos comemorando uma espécie de 'febre-de-pera" se é que me entende?! kkkk,só falta estrear "apareceu a margarida" e dizer que o teatro político nasceu com ela! affffff

Alberico da Mota Silveira Filho disse...

BRAVO , BRAVO , BRAVO !!!
Faço minhas as suas palavras !! ABS !

franz keppler disse...

Olá Sérgio, parabéns pelo seu texto!

Anônimo disse...

uai, só neste momento estou veno 3 dramaturgos, vc, o luciano e o franz!!!!!!
e tem cabimento afirmarem que uma montagem como irma vap estreou por falta de texto melhor? hahaha O Cássio, uai, que está em Vap, por ex, não sei se vc sabe, mas ano passado fez um espetáculo com o Claudio Fontana e o texto era demais de bom!!!! Estou brincando , mas o fato é que sou pirada por Andaime e sempre que vou ao toillet lembro da peça na hora de pegar papéis pra enxugar a mão...E aí somos obrigados a ler que a dramaturgia brasileira está ruim????!!!!!!!!!!!!
Cada Uma!

Bjs e sucesso aí
Nanda Rovere

Anônimo disse...

Dia desses fui ver um filme italiano com uma equipe técnica q nunca tinha ouvido falar na vida. No final da exibição me senti revigorado: Alguém no mundo pensava o Amor como eu. Não sei se é o "motivo certo" para se gostar de um filme, mas gostei do que vi por que me senti menos só. Ler seu post me deu essa sensação ("Existe alguem lá fora q tb pensa essas coisas"). Coisa boa!

Márlio Vilela Nunes disse...

Que bom que quando vc resolve escrever sobre o teatro seja para defendê-lo. É uma pena que alguns produtores acreditem que a dramaturgia não tem se renovado ou que o público só gosta de porcaria. São crenças que podem matar o teatro. Parabéns pela coragem de combatê-las. Abraço

Márlio Vilela Nunes disse...

Que bom que quando vc resolve escrever sobre o teatro seja para defendê-lo. É uma pena que alguns produtores acreditem que a dramaturgia não tem se renovado ou que o público só gosta de porcaria. São crenças que podem matar o teatro. Parabéns pela coragem de combatê-las. Abraço

Anônimo disse...

ora vejam só...esses caras não estão enxergando um palmo diante do próprio umbigo. É isso aí Sergio, e conte comigo sempre que for pra defender a dramaturgia brasileira, a de ontem e a de hoje.beijos, Rachel

Adriana Balsanelli disse...

Roveri, você disse tudo nesse texto! A quantidade de textos, autores e novas cias de teatro que SP produz é incrível. Só não vê quem olha pro próprio umbigo!

beijo,
Adriana