Ela sabia que ia passar. Não porque os amigos, como forma de consolá-la, dissessem que era só uma questão de tempo. Ela sabia que ia passar, acima de tudo, pela sua prática no assunto. Já havia passado outras vezes, e agora não deveria ser diferente. No fundo, era muito igual até. Tão igual que ela se perguntava por que tinha de passar por isso de novo, se tudo se resumia a mais uma história em que o final já fora escrito antes que ela provasse das delícias do primeiro capítulo. E ela sabia, principalmente, que as tais delícias do primeiro capítulo não se estenderiam pelos seguintes – tudo seria tão delicadamente retirado dela, as páginas iriam se embranquecer de maneira tão sutil, a história iria morrer tão lentamente diante dos seus olhos que, quando o fim realmente chegasse, talvez a dor já tivesse se consumido nas notas de rodapé em que seu amor se perdera.
Não era exatamente medo o que ela sentia. O frio das tardes a assustava um pouco, isso é verdade. E ela sabia que precisava trocar uma das lâmpadas da sala. Se o ambiente estivesse um pouco mais claro, ela pensava, talvez a noite levasse mais tempo para se infiltrar pela janela. Ela não estava bem certa disso, mas desconfiava que o telefone andava tocando menos. Ela não gostava de tirar o fone do gancho para ver se o aparelho estava funcionando e decidiu parar de fazer isso depois da terceira vez em quinze minutos. Então ela se deitava um pouco, para descansar das tarefas ainda não feitas, mas que a deixavam previamente irritada. E nestas horas ela imaginava coisas.
Imaginava que não devia ter saído tanto, que não devia ter tão facilmente revelado lugares que ela levou anos para descobrir sozinha. Tudo que ela havia compartilhado agora se transformava em fatias doloridas de memória, espalhadas aqui e ali, na mesa de canto daquele bistrô ao qual ela não voltaria tão cedo, no bar barulhento e de chão pegajoso, naquela rua estreita em que sempre era possível estacionar. Nada era um grande tesouro afinal, mas foi o que ela lhe ensinara de forma tão inocente e que por isso devia ter algum valor. Ela também havia aprendido algumas coisas com ele, claro que havia. Mas quando tudo passasse, isso também iria embora. E ela ficaria vazia novamente, mas de um vazio diferente daquele em que ele a encontrara. E então ela perdia as horas de sono pensando sobre quantas maneiras uma pessoa pode se esvaziar de forma que o vazio de hoje seja um pouco mais sábio do que o vazio de ontem.
Ela sabia que não seria traída pelos seus olhos, e nem pelas lembranças. Seria pelo cheiro que um dia ele voltaria à sua vida – no mais ingênuo dos dias, na mais insignificante das horas, ela voltaria a sentir aquele cheiro que parecia ser só dele, embora seu perfume abarrotasse as prateleiras de qualquer farmácia barata. O cheiro vindo de um outro homem, talvez. Ou nem tanto. Vindo, por certo, de algum canto do seu cérebro que, sem nada mais importante a fazer, resolveu, à revelia, brincar de abrir baús proibidos. E então ela teria de parar, olhar para todos os lados e depois seguir adiante com a certeza de que não, não era ele. Era só ela de novo.
E um dia o cheiro iria embora, alguém iria lavar o chão do boteco, o bistrô fecharia por falta de clientes e algumas placas nos postes mostrariam que agora é proibido estacionar naquela rua estreita. Ela não se lembraria mais dele. E essa dor, a dor que se esquece, se revelaria a maior dor do mundo. Mas então ela já estaria vazia. Porque, nesta vida, tudo passa.
sexta-feira, setembro 19, 2008
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7 comentários:
ai, ai, Serginho...
Ui, Ui, Cleozinha. Linda.,
Que texto DESLUMBRANTE Roveri , vc às vezes me comove às lágrimas !
LIIIIIIIIIIIIIINDO ! Abs !
Alberico, muito obrigado pela delicadeza e atenção. Um grande abraço pra você.
Lindo!
Lindo e de rasgar o coração.
Incrível... Por isso que as pessoas tem medo de arriscar relacionamentos. Parabéns!
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