Uma amiga me liga no fim de semana em busca de companhia para ver o show da Laurie Anderson sábado à noite no Sesc Pinheiros. Confesso que achei o convite muito estranho. Devo ter passado os últimos 15 anos sem ouvir falar na Laurie Anderson – para mim, ela continuava refém daquela época em que a gente freqüentava o Aeroanta, via shows no vão livre do Masp nas tardes de sexta-feira e achava performance a coisa mais moderna do mundo. Tudo isso, me parece, não sobreviveu à virada dos anos oitenta. E, em alguns casos, ainda bem. Perguntei à minha amiga se ela não preferia trocar a Laurie Anderson por um cineminha – e ela recusou. E ainda me garantiu que os shows que a cantora performática (ai, que nostalgia!) havia feito em Porto Alegre e Santiago do Chile tinham sido ovacionados. Bom, como ninguém precisa ser um diplomata para me tirar de casa num sábado à noite, resolvi ir.
Surpresa: o imenso auditório do Sesc Pinheiros estava lotado. Enquanto o show não começava, eu ficava olhando para aquelas pessoas e tentava localizar ali algum hippie ressuscitado, algum eleitor do PT, algum macrobiótico, algum adepto do hare krishna, alguém que acreditasse na cura pelos cristais, alguém com camiseta tingida e saia colorida até o calcanhar, alguém com colares de semente, enfim, alguém que, como a Laurie Anderson, estivesse decidido a mostrar que a década de oitenta, afinal, não havia sido assim tão perdida como insistem em rotular. Mas, ainda bem, era só um show e não uma convenção de sobreviventes de alguma coisa. Embora todas aquelas velas acesas no palco me lembrassem uma festinha de aniversário em uma escola de ioga. Sem falar que, depois do incêndio no Cultura Artística, abarrotar um palco com velas me parece um pouco temerário.
Laurie Anderson e sua banda de três músicos tão introspectivos como ela entraram com apenas dez minutos de atraso. A cantora continua um prodígio de tecnologia: toca um violino que traz preso ao pescoço, comanda teclados e uma mesa de som dos quais extrai inúmeros efeitos, entre eles um que distorce sua voz, e ainda usa uma espécie de óculos com algum tipo de amplificador que emite sons graves quando ela bate na própria cabeça ou morde os dentes. Sobre o palco, um telão com legendas, em alguns casos indispensáveis, para que sua poesia intimista ou seus ataques à política externa dos Estados Unidos chegassem ao público com intimidade.
A poesia de Laurie Anderson é quase um mantra – ele repete à exaustão alguns versos simples, como “me encontre na beira do lago”, de uma canção provavelmente feita para homenagear seu pai, que tinha “olhos de diamantes”. Infelizmente, seu lirismo não vai muito além de uma interminável canção de ninar, que cumpriu bem seu objetivo em várias pessoas que estavam ao meu lado. A Laurie Anderson que realmente vale a pena é a poeta que sabe fazer uma crítica irônica e impiedosa às figuras de Bush e McCain. Somente um artista maduro consegue levar um discurso estritamente político para o universo do show biz sem se tornar apocalíptico ou simplesmente um chato.
O próprio Bono Vox escorregou nesta travessia. Laurie Anderson faz isso com certa desenvoltura, mas... e nestes casos sempre tem um mais, no meio do show ela perde a medida e bate de frente com a nossa indiferença diante de assuntos como aquecimento global, guerras, desrespeito aos direitos humanos e desigualdade social. A culpa é nossa (ou minha), e não dela. Laurie Anderson parece, mais do que nunca, uma voz imprescindível nesta época de celebridades rasas e idiotizadas. O problema de Laurie Anderson é que ela ficou presa à uma época em que a gente ainda acreditava em alguma coisa. Sua música nos bate na cara, mas a gente vira o rosto para olhar a vitrine do lado. Suas críticas são mais que oportunas, mas rimos delas como se estivéssemos na platéia do Terça Insana. Estamos vivendo no grande baile da Ilha Fiscal deste planeta, mas enquanto houver música tocando, cervejas geladas e salgadinhos sobre a mesa, a festa deve continuar. E Laurie Anderson é aquela pessoa que chega e pede para que abaixem o som para que possamos ouvir o bombardeio na rua de trás. Mas nós só queremos dançar. Tirem esta chata daí, gritamos.
Então, fica combinado assim: o teatro estava lotado, mas eu tinha a impressão de que Laurie Anderson pregava no deserto. Todo este post é tão pessoal e diz respeito a mim e ao que eu me tornei de maneira tão particular que, confesso aqui, saí na metade do show. Minha admiração aos que ficaram até o fim e suportaram de verdade o que ela estava tentando nos dizer. Eu devo estar um pouco cansado.
domingo, setembro 07, 2008
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Um comentário:
entendo perfeitamente. vi show de ms anderson nos anos 70, em sf, e pelo que vc descreve continua igualzinho. fora que morri de rir com a descrição. foi como se eu tivesse ido. e acho que teria saído no meio contigo. guza
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