quarta-feira, setembro 24, 2008

Da boca para dentro

Foi há mais ou menos uns 15 dias. Um sábado frio e chuvoso. Eu e o amigo Gustavo Fioratti, repórter da Revista da Folha, estávamos na estação Sumaré do metrô, esperando um amigo para o almoço. Este amigo, percebi logo, é daquelas pessoas que dizem que já estão indo, quando na verdade nem saíram da cama ainda. Ele atrasou uma hora e dez minutos. Eu e o Gustavo ficamos muito irritados, é claro. Mas a espera não foi nada em vão. Quando estávamos ali, vendo os trens indo e vindo enquanto a garoa batia nas amplas paredes de vidro da estação, fizemos o que as pessoas têm cada vez menos tempo de fazer: conversar sem pressa alguma, sem a pretensão de chegar a qualquer conclusão, sem o compromisso de ser sério ou definitivo. Chovia, fazia frio e o amigo não chegava: conversemos, pois.

O que revestiu aquela conversa de importância, a ponto de eu sentir vontade de falar nela aqui, foi o seu tema. Falamos, durante muito tempo, sobre a ineficácia das palavras. Pode parecer incongruente, mas foi isso mesmo: falamos sobre como o silêncio é capaz de dizer mais que cem frases bem encadeadas, falamos como os gestos podem ser mais precisos que os discursos, e falamos, principalmente, sobre tudo aquilo que não precisa de palavras para se tornar palpável: o amor, o afeto, o carinho. E concordamos os dois, sem grandes discussões, que quase tudo nesta vida já está dito: ouve quem quer, compreende quem quer e vê quem quer.

O bom do silêncio é isso: muitas vezes ele não demanda uma resposta. O bom de um gesto é isso também: ele pode ser preciso e ainda assim o outro tem a liberdade, sem nenhum constrangimento, de fingir que não é com ele. Já as palavras, estas ecoam. Como numa partida de tênis, as palavras esperam que alguém as rebata, parece que elas nunca estão completas até o momento em que retornam a nós, reinterpretadas pela boca e pela mente do outro. O silêncio pode apenas ir, pode apenas partir de nós e já terá cumprido sua missão. O gesto também. De alguma forma, ele é quase auto-suficiente: faz, sozinho, o que dezenas de palavras tropeçariam para tentar fazer.

Quando a gente diz, com palavras, que ama alguém é porque já disse a mesma coisa tantas vezes antes, de tantas formas mais delicadamente precisas. Penso se cabe a nós alguma culpa por não termos sido ouvidos. E se cabe a nós, mais do que tudo, alguma culpa por não termos prestado atenção quando o outro nos disse, também sem palavras, que não era bem assim. Talvez andemos todos nós, ao menos um pouquinho, surdos para o silêncio.

Antes que o nosso amigo chegasse, o Gustavo fechou brilhantemente a nossa discussão. “Eu não acredito em conversas sobre crises conjugais”, disse-me ele. “O máximo que eu posso falar numa discussão sobre relacionamento é o seguinte: viu, hoje o seu macarrão não está tão bom quanto o da semana passada. O resto já está tudo dito”.

3 comentários:

HARA disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
HARA disse...

Melhor ficar em silêncio depois de ler esse texto, demais.

Fabrício Muriana disse...

essencial reflexão.
acrescento que o que no teatro (ou na vida) é exagerado nas palavras fica chato e perde minha atenção.
Abraço