Eu havia prometido a mim mesmo que não comentaria o caso da garota Isabella aqui neste espaço. Dentre todos os motivos que me levaram a fazer tal promessa, dois merecem ser citados: 1) o caso, embora apresente novas evidências diárias que apontem para a culpabilidade do pai e da madrasta, parece ter provocado uma espécie de exaustão nos leitores - em parte pelo espaço que ele vem ocupando no noticiário e em parte pela nossa aversão natural ao horror que ele inspira, um horror que só faz crescer à medida que ilustrações sobre a queda da menina e novos depoimentos dos vizinhos vêm à tona; 2) eu considero este blog um espaço personalizado e alternativo, portanto pouco interessado em fazer eco às manchetes da imprensa e às chamadas do Jornal Nacional - seria pretensioso demais tentar competir com eles. Então, a maneira que encontrei para que este blog continue a existir é apostar na minha opinião pessoal e na minha particular visão de mundo - assim, garanto, não estarei competindo com ninguém. Já que nem sou louco de fazer o contrário.
Mas hoje, ao acompanhar a imensa platéia que fez figuração para os depoimentos de Alexandre Nardoni e Anna Jatobá, me vi obrigado a quebrar a promessa. Havia banheiros químicos destinados ao público ao lado da delegacia, houve quem tenha perdido um dia de trabalho para gritar assassinos diante da passagem do casal, houve quem tenha viajado 400 quilômetros para enfrentar, na calçada, o frio da noite de sexta-feira enquanto o casal depunha, houve quem tenha levado bolo de aniversário para comemorar os seis anos que a garota faria ontem e houve quem surgiu fantasiado diante das câmeras de tevê - como se estivéssemos diante de alguma celebração.
Prefiro acreditar que a culpa de tudo isso não seja apenas da carnavalização promovida pela mídia em torno do caso, e nem da tendência atual de nossa sociedade em encontrar uma possibilidade de espetáculo no mais íntimo dos acontecimentos. O que teria, então, dado ânimo para que aquela multidão saísse de suas casas e empacasse diante da delegacia? Ingênuo que talvez eu seja, prefiro localizar dois anseios legítimos neste fenômeno: o povo queria participar de um ritual em que pretensamente estava sendo feita a justiça e o povo queria ver, de perto, qual era a feição do mal.
Explico brevemente. Vivemos em um país notório também pela impunidade. O jornalista Pimenta das Neves matou a ex-namorada com dois tiros nas costas e está livre, o médico Farah Jorge Farah, que esquartejou a ex-namorada, talvez fique apenas um ano na prisão, Guilherme de Pádua e Paula Thomaz, os assassinos de Daniela Perez, já estão em liberdade há muitos anos, o escândalo do mensalão não levou ninguém para a cadeia, ministros quebram sigilos bancários de caseiros, corruptos andam soltos, ladrões e criminosos andam soltos, juízes cobram por sentenças favoráveis a traficantes, celulares entram facilmente em presídios de segurança máxima, crianças são mortas diariamente na guerra das drogas, balas perdidas matam e aleijam inocentes em suas próprias casas... e nada acontece. De repente, um crime hediondo tem lugar e hora marcados para exibir seus autores. O mal, que nos assusta e nos intimida diariamente, agora tem rosto - o mal tem os lábios grossos de Alexandre e as feições angulosas de Anna Jatobá. A possibilidade de contribuir no exercício da justiça e ainda exorcizar o mal nos foi dada pela televisão e pelos jornais, que nos avisaram quando e onde os facínoras estariam.
Então as pessoas vão até lá, gritar por todos os delitos que sempre lhes deixaram a garganta muda, encarar os criminosos que são possíveis de ser encarados - já que Brasília fica longe - engrossar um ritual dionisíaco de exorcismo daquilo que nos causa angústia e terror - e ainda, de quebra, aparecer na televisão para mostrar que até nos momentos de indignação o brasileiro sabe cantar parabéns a você. É triste, mas parece ser o retrato mais bem-retocado destes tempos estranhos em que vivemos. No ano passado, ficamos chocados ao ver a socialite Narcisa Tomborindeguy e seus amiguinhos jogando ovos pela janela. Agora jogaram uma criança. O horror caminha rápido demais por aqui.
sábado, abril 19, 2008
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3 comentários:
Eu estava abrindo o meu blog para falar exatamente sobre aquelas pessoas que foram lá se expor diante das câmeras e transmitir sua raiva pelo casal - pai e madrasta de Isabella. Aquelas cenas realmente me chocaram, tanto quando o crime cometido. Não sou psicóloga, nem socióloga, nem antropóloga, mas achei que conhecia um pouco da natuteza humana. Diante do que vi ontem na TV, acho que me enganei.
É o novo reality show da tv brasuca... os crimes que nao deixam rastros deixam livre a imaginação....
Pois é, meninas, vocês têm razão. O mais estranho de tudo isso é que a gente não consegue paz para fazer um momento de reflexão, né? Daí tudo continua igual. Beijos.
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