quarta-feira, abril 30, 2008

Um fantasma e uma vida nova

O Fantasma de Nova York. Este é o nome do primeiro texto que escrevi quando decidi me aventurar pelo teatro. Fazia um ano que os ataques terroristas tinham posto abaixo as Torres Gêmeas e a prefeitura de Nova York, na incapacidade de resgatar ou identificar os corpos das vítimas, decidiu, em tempo recorde, fornecer atestados de óbitos para todos aqueles considerados desaparecidos no 11 de setembro na região do Ground Zero. Este foi o mote para que eu criasse uma pequena história, quatro páginas se não me engano, sobre um homem que, por estar atrasado naquela manhã, ganhou uma segunda chance na vida. Ou uma segunda vida.

A história era mais ou menos assim. Um trabalhador comum do World Trade Center perde a hora na manhã do 11 de setembro. Quando o primeiro avião se choca contra uma das torres, ele está a poucas quadras do seu local de trabalho. Assiste a tudo aquilo paralisado. Antes do choque do segundo avião, ele se dirige à rodoviária e compra uma passagem para o primeiro ônibus que sai da cidade. Me lembro que, quando escrevia este texto, abri um grande mapa dos Estados Unidos e fiquei imaginando para quais cidades ele rumaria. Escrevi o nome de todas elas no texto. Obviamente, em pouco tempo ele também é dado como morto, já que se desfez de todos os documentos na primeira cidadezinha a que chegou.

O maior ataque terrorista de todos os tempos, a grande ação orquestrada pela Al Qaeda para chocar o mundo e subjugar os Estados Unidos , para ele representavam apenas uma chance de começar de novo em algum lugar distante. Ele trabalhou como jardineiro, pintor de paredes, marceneiro e em outras funções que, acredito eu, não exigem assim tantas referências profissionais. O único vínculo com a realidade que ele deixou para trás era um telefonema anual no dia do aniversário do pai. Quando o velho atendia, ele desligava. Ele queria apenas saber se o pai continuava vivo. No quinto ano o velho não atendeu, nem do dia do aniversário e nem nos dias seguintes. Algo de grave havia acontecido. E então ele resolveu voltar.

Ao chegar a Nova York, ele procura a mulher e tenta se explicar. Tenta fazer com que ela entenda que ele não agiu por mal. Ao ver o prédio caindo, ele pensou que poderia estar lá. E, se não estava, aquilo deveria ser interpretado como um sinal de que algo na vida dele precisava mudar, algo radical. E então ele partiu. A mulher não diz nada. Entrega a ele um envelope fechado e vai embora. Ao abrir o envelope, ele encontra seu próprio atestado de óbito. EStá escurecendo em Nova York. Ele observa pela janela o desenho daquela cidade que um dia ele abandonou e, com o atestado de óbito em mãos, sussurra: para quem estava querendo nascer de novo, eu não posso reclamar.

O texto foi selecionado para uma concorrida oficina de três meses oferecida por alguns professores da EAD e lá eu comecei minha pequena jornada teatral. Sou muito grato ao homem do conto, que ao procurar uma vida nova para ele, abriu as portas de uma vida nova para mim também. Sem que nenhum prédio tenha precisado cair na minha frente.

Nenhum comentário: