Confesso que não conhecia Wilson Simonal. Quando eu cheguei à idade de saber um pouco mais sobre a MPB, ele já havia sido banido das rádios e da televisão por conta de uma denúncia, pelo visto até hoje não comprovada, de que ele agia como informante para as forças da repressão. Assim, passei longe de seu talento de entertainer, mantive os ouvidos fechados para sua voz quente e suingada, nunca me seduzi pelo seu balanço, jamais tive algum dos seus CDs e nem fui tocado por sua ironia que beirava à provocação. Até ontem, Wilson Simonal era, para mim, uma figura distante a quem a mídia se referia como o pai de Simoninha e Max de Castro. Ontem à tarde encontrei por acaso uma amiga no Havana Café. Ela tinha acabado de ver o documentário Ninguém Sabe o Duro que Dei, que parece já ter nascido polêmico ao decidir entrevistar todas as pessoas próximas de Simonal na época em que ele desceu dos palcos para se refugiar a contragosto nos porões da memória nacional. Ela ainda estava comovida com o que havia visto. "Como minha mãe nunca me falou do Simonal?", ela se perguntou. "Ela tinha a obrigação de ter me apresentado a ele".
Achei que havia chegado a hora de conhecer o Simonal. Cheguei em casa e fui direto ao youtube. Passei mais de uma hora vendo tudo que havia sobre ele, vídeos antigos, em preto e branco na sua maioria - quando a cor chegou à tevê, Simonal já havia sido expulso dela. Fiquei chapado. Claro que eu já tinha ouvido, aqui e ali, a voz de Simonal em Sá Marina, Meu Limão Meu Limoeiro e País Tropical - mas isso não quer dizer que eu o conhecesse. Ontem fiquei com os olhos colados na tela do computador: Simonal era um Michael Jackson que não ficou branco. Sedutor, provocador, uma presença cênica fantástica e um domínio irrestrito sobre a platéia que só os grandes artistas costumam ter. Um ídolo de massa, em suma - quando os ídolos de massa ainda estavam na pré-história da imagem. Adorei o que vi. Fiquei triste com o que vi.
Há dois clipes em que ele se coloca na mesma estatura de duas cantoras histórias. Com Sarah Vaughan ele canta The Shadow of Your Smile e com Elis Regina, numa gravação de 1966, esmerilha no samba Vem Balançar - um dos pontos altos de seu parco acervo do youtube. Vejam e confiram se estou exagerando ou não. Sua gravação com Elis não é apenas a demonstração de uma técnica soberba dos dois lados - é a explosão de dois jovens e talentosíssimos intérpretes que parecem brincar para ver quem tem mais ritmo, quem divide melhor, quem é o dono da voz mais maleável e sapeca. Não entendo tanto assim de música, mas acho que estamos diante de um glorioso empate.
Foi, justamente, este clipe que me deixou triste depois. Elis e Simonal continuariam, ao que tudo indica, cantando excepcionalmente bem até o fim dos seus dias. Mas aquela alegria juvenil iria abandoná-los em breve. Simonal em função do escândalo que o reduziria a um pária da música brasileira, primeiro passo para sua depressão incurável e o mergulho no alcoolismo que o levaria à morte. Elis, que deve também ter enfrentado caminhos tortuosos apesar da veneração com que era tratada pela crítica e pelo público, foi aos poucos se afastando daquela imagem serelepe para se tornar uma cantora sofrida demais, que morreu jovem e carregando uma dor que parecia não caber mais em seu corpo miúdo. Os dois deixaram para o País um legado de suingue de indiscutível pedigree. Quando eu sentir saudade ou de um ou de outro (sim, porque agora já é permitido sentir saudades de Simonal), acho que é para este clipe que eu vou olhar. É muito, mas muito legal ver artistas bacanas numa época da vida em que eles ainda não tinham perdido a inocência.
domingo, abril 06, 2008
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6 comentários:
você tem razão. fui lá ver. é arrepiante. e que lindo comentário você fez sobre esses seus amigos e a comunidade em que trabalharam. estava com o olho cheio d'água quando terminei. [[[]]]
é, massinha... pelo menos agora parece existir uma espécie de 'movimento' de resgate do simonal. já passou tanto tempo... vamos deixar pra lá a história do cara ter sido informante ou não dos milicos e vamos valorizar aquilo para o que, afinal, ele passou por essa vida: a MÚSICA!
Concordo, Marcinho. Tô muito curioso pra ver o documentário. Abração
Saudade...
Massa, o Simonal era ótimo. Eu o adorava. Era o nosso Quincy Jones. E a gravação com a Sarah Vaughan é sensacional! obrigada pela dica.
fiquei melancólico, sérgio. seu texto é lindo...
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