Existem alguns filmes e peças que, por alguma razão misteriosa, não entram facilmente na nossa lista de prioridades - por mais que a crítica e alguns amigos confiáveis não se cansem de recomendá-los. Por descuido, preguiça ou uma inexplicável falta de curiosidade, vamos deixando que algumas obras saiam melancolicamente de cartaz sem que tenhamos reservado uma horinha do nosso tempo para ao menos saber se elas tinham algo a nos dizer. Quase deixei que acontecesse isso com o filme Chega de Saudade, mas reverti a situação a tempo. Felizmente.
Tenho dois amigos que trabalham no filme. Participações bem pequenas, é verdade, mas tratadas com algum carinho pela diretora Laís Bodanzky. Por telefone ou e-mail, eles viviam insistindo para que eu fosse ver o filme, alegando que era uma história bem-contada, que a trilha sonora era um achado, que Elza Soares arrasava como a crooner da orquestra que anima o baile dos velhinhos e que o elenco principal respondia por belas atuações, além de outras recomendações positivas das quais não me recordo no momento. E eu deixando tudo isso para lá.
Aproveitei o feriado de 21 de abril para, enfim, ver o dois-pra-lá, dois-pra-cá daquela geração que a gente não costuma ver mais nas pistas de dança. Quando o filme terminou, confesso que me perguntei por que eu havia demorado tanto para me presentear com aquela pequena delícia que é Chega de Saudade.
Acho que já ficou muito tarde para falar do filme como um conceito. Tenho a impressão de que tudo que podia ser dito sobre Chega de Saudade já o foi - o próprio Contardo Calligaris usou todo o espaço de uma de suas colunas semanais na Folha de S. Paulo para discorrer sobre o desejo e o erotismo que emanam dos corpos já tão gastos pela vida. Mas há, ainda, alguma coisa que precisa ser dita sobre o filme. E trata-se de algo aparentemente trágico - ou sublime, de acordo com o momento de cada um: Chega de Saudade é a prova mais contundente de que o amor nunca nos deixará em paz. Tenhamos nós 14, 18, 30 ou 70 anos, não importa: quando ele bater, ou arrombar, a porta que tão bem construímos para nos proteger do mundo, tudo que sabemos sobre maturidade, experiência de vida e dores acumuladas não nos servirá absolutamente para mais nada.
Ele, o amor, terá sempre o gosto de primeira vez. Ele, o amor, nos fará agir como se nunca tivesse havido um tempo passado. Ele, o amor, destruirá a nossa noção de prudência e a auto-estima que acreditávamos ser um intransponível escudo contra mais uma desilusão. Ele, o amor, nos fará dobrar a nossa coluna outrora tão rígida, como fez dobrar a dos personagens de Cássia Kiss, Tônia Carrero, Leonardo Villar e Miriam Mehler. Talvez venhamos a chorar na janela quando ele nos visitar, talvez venhamos a escrever bilhetes tolos e infantilizados, talvez venhamos a chorar no banheiro, talvez venhamos a nos embriagar de uísque barato, talvez venhamos a dançar uma canção já perdida no tempo, talvez voltemos sozinhos para casa - tudo isso os personagens do filme fizeram. E tudo isso é trágico. Mas talvez venhamos, por uma noite apenas, ter 14 anos de novo. E isso pode ser lindo. Mas tudo vai depender do que iremos fazer com tanta vida pela frente, no dia em que voltarmos a ter 14 anos. Ele, o amor.
quarta-feira, abril 23, 2008
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2 comentários:
não falei que tu ia gostá? e óia que eu nem trabáio no filme. não só vc gostou do filme como ainda rendeu esse post lindo. é, meu amigo. é o amooooooor!...
Muito obrigado, Zezé di Camargo. Adorei sua dica, viu. Beijos do Luciano.
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