Confesso que passei toda esta quinta-feira pensando no artigo do psicanalista Contardo Calligaris publicado em sua coluna na Folha de S. Paulo. Com sua habitual competência, ele comentou uma pesquisa feita nos Estados Unidos sobre o aumento no número de casos de suicídios entre pessoas com mais de 40 anos - um novo grupo de risco do qual eu e a maioria dos meus amigos já fazemos parte. O que me deixou preocupado (triste, talvez?) no artigo era seu título: "Será que era só isso?" Depois do ser ou não ser, hoje já liberada de seu contexto teatral, acho que "será que era só isso?" é a pergunta que mais atormenta a humanidade. Porque é uma pergunta que parece valer para tudo: para a realização profissional, para os amores, as viagens, as aventuras, a grana no fim do mês e, lá no fim da história, para a própria razão da nossa existência aqui neste planeta. Será que era só isso, meu Deus? Às vezes a gente ainda consegue virar de lado e dormir sem ter a resposta; outras vezes, não.
Não há ninguém, do meu círculo mais próximo de amigos e familiares, que tenha se suicidado. O que não me impede de ver no suicídio, como disse Camus, se não me engano, a única questão sobre a qual realmente vale a pena se debruçar, sem moralismos e pieguices. Por alguma razão que ainda não consegui entender, o suicídio consumado, ou a simples desconfiança de sua intenção, continua sendo, para mim, a mais enigmática porta de saída desta vida. Talvez porque seja, entre todas as decisões que tomamos na vida, a única sobre a qual não conhecemos nada. Como comprar um bilhete sem volta para um local desconhecido - é uma idéia que me assusta, a princípio. Não pelo que ela tem de irreversível, mas pelo que ela oferece de possível. É um bilhete que, desde que nascemos, vai estar sempre à nossa disposição.
Depois que terminei de ler o artigo do Calligaris, comecei a pensar não nos suicidas convictos, como Kurt Cobain e Pedro Nava, por exemplo. Mas em todos aqueles que foram embora envoltos numa poeira que insiste em não baixar. Heath Ledger é um deles. Elis Regina é outra. Marilyn Monroe, Natalie Wood e até Elvis Presley, quem sabe. Pessoas que, pinçadas do senso comum por seus extraordinários talentos, um dia olharam para algum espelho qualquer e se perguntaram também: será que era só isso? E, no caso específico deles, sinto que a questão se mostrou ainda mais dilacerante.
Reconheço que tudo isso é devaneio, mas não consigo, até hoje, parar de pensar no que teria passado pela cabeça do Heath Ledger, por exemplo, enquanto tomava aquele devastador coquetel de ansiolíticos e antidepressivos. Será que ele virou os frascos de uma vez só ou, a cada comprimido que engolia, sentia-se um pouco mais próximo de algum estado de serenidade que talvez buscasse? Ele tinha 28 anos, uma indicação ao Oscar, era apontado como o sucessor de Marlon Brando e sua performance como o Coringa, dizem, deixa a de Jack Nicholson no chinelo. Admitamos que não é pouco. O que aconteceu com esta informação, que faz toda a diferença, na hora do desespero naquele apartamento de Nova York? Lá atrás, no início dos anos 80, como foi a última noite de Elis Regina? Em sua provável agonia será que ela se lembrou que era dela talvez a mais bela voz que este país já ouviu? Que todos os palcos, daqui e do resto do mundo, estariam sempre abertos à sua insuperável arte? Que ela tinha chegado, aos 36 anos, a um ponto em que a maioria absoluta das cantoras sonha chegar e não conseguirão jamais? E Marilyn? Enquanto mergulhava no último dos seus sonos, será que ela se deliciou com a idéia de ser a mulher mais fotografada e desejada de sua época? Será que sorriu orgulhosa de saber que seu rosto era tão popular quanto uma nota de um dólar? Será que se esticou nos lençóis, nua, e transferiu os problemas para a manhã seguinte, com todos nós fazemos, sem sermos Marilyn, Elis e Ledger...
Perguntas bobas, talvez. Mas que vira e mexe voltam à minha cabeça sempre que procuro compreender o que pode realmente nos trazer a felicidade. Será que era só isso? Esta pergunta, tenho certeza, um dia vai cair sobre nossas cabeças com um peso que pode beirar o insuportável. Só espero que, neste dia, mesmo sem sermos ricos, famosos e queridos por toda uma geração, a gente encontre uma resposta tão boa, mas tão boa, que não veja a hora que amanheça para começarmos tudo de novo. Talvez igual. Ou, com um pouco de sorte, talvez melhor.
quinta-feira, fevereiro 28, 2008
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Um comentário:
Eu não gosto quando você escreve de flanelinhas. Mas esse texto, tenho certeza, vai me deixar encucado alguns dias...
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