Sempre ouvi, desde menino, que a profissão de ator apresentava uma grande vantagem em relação a todas as outras: a ausência de rotina. Em um mês nós somos reis, eu ouvia os atores dizendo. No mês seguinte seremos ladrões, depois médicos, depois vilões e assim iremos, ao longo da nossa carreira, experimentando tudo de novo e ousado que a experiência humana pode oferecer. E eu, na minha vidinha pacata em Jundiaí, em que um dia parecia ser a xerox colorida do dia anterior, me contorcia de inveja de tantas aventuras permitidas e bem-pagas a que só os atores tinham direito. Eu me lembro de uma entrevista da Tônia Carrero, muitos anos atrás, em que ela dizia que o cabide representava a melhor definição de sua vida: ela era a roupa que estava pendurada ali naquele momento.
De uns tempos para cá, virei noveleiro. Na verdade, sempre gostei de novelas. Mas é que desde que comecei a trabalhar em casa, aprendi a dar uma paradinha entre sete e nove da noite para saber que reis, vilões, médicos e ladrões os nossos queridos atores estão sendo no momento. E a cada dia me sinto mais triste ao perceber que hoje não há nada mais furado do que esta idéia de que os atores não convivem com a rotina. Vejo grandes atores fazendo agora o que eles já faziam há 30 anos, aprimorando-se cada dia mais na arte da repetição, lustrando as máscaras que criaram 20 novelas atrás e que continuam a usar tão bem quanto qualquer funcionário de repartição pública que tenha aprendido a manejar com maestria e velocidade seus carimbos e fotocopiadoras.
Há, neste momento, um exemplo clássico e dolorido para ilustrar esta historinha. Ele é dado, noite após noite, pela atriz Claudia Jimenez, que vive uma anja (?!) na novela Sete Pecados. Há pelo menos uns dois meses que, em todos os capítulos, ela tenta ver uma tatuagem nas partes baixas de um ator jovem cujo nome eu desconheço. Imagino Claudia Jimenez, grande comediante, atriz inteligente e rápida, saindo de sua casa todas as manhãs, pegando o trânsito do Rio de Janeiro, indo até o Projac, se maquiando, vestindo sua minissaia branca de anjo, entrando no estúdio para repetir o que ela vem dizendo desde setembro: fulano, me deixa ver sua tatuagem. E o fulano não deixa. No outro dia, o fulano deixa, mas daí é ela que não quer ver. No terceiro dia, outra grande e apaixonante atriz, Ana Lúcia Torre, vem sabe-se lá de que parte do céu, porque ela é uma supervisora de anjos, também para tentar ver a tatuagem do rapaz. E assim, ao longo de três meses, os três atores não falam de outra coisa na vida a não ser desta bendida tatuagem. O público sofre com isso, é claro. Mas tenho certeza de que os atores sofrem muito mais. A gente pode desligar a televisão, sair e bater perna na rua que ainda está claro a esta hora, e voltar pra casa mais feliz. Quanto a eles, nada mais a fazer senão esperar que o dia seguinte enfim traga-lhes a tal tatuagem, como Estragon e Wladimir esperam há décadas que o dia seguinte lhes traga Godot.
Não tenho mais inveja da profssão deles, não. Credo, rotina por rotina, pelo menos no nosso mundo real todas as tatuagens estão aí à mostra e a gente pode se preocupar com outras coisas. Tudo bem que podemos ganhar menos e não sair em revistas. Não faz mal: este mundo está tão de ponta-cabeça, mas tão de ponta-cabeça, que a realidade tem conseguido ser muito mais interessante, inovadora e mágica que a ficção. Que chato para os atores.
quinta-feira, dezembro 13, 2007
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Um comentário:
Você já havia me cativado no palco, sem ter a menor idéia disso (ou de quem sou). A Noite do Aquário é um dos mais sensíveis textos que eu já vi. Depois de dois posts no seu blog, prometo que volto sempre. Continue atualizando isto aqui, que a versão virtual de Sérgio Roveri é deliciosa...
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