quarta-feira, dezembro 08, 2010

Magiclick

Domingo passado fui visitar meus pais, que moram em Jundiaí. Levei para minha mãe um presente mais que modesto: um acendedor de fogão, uma bugiganga que custa menos de 15 reais em qualquer banca de camelô. Claro que não se tratava do presente de Natal. Mesmo minha mãe, que a vida toda sempre demonstrou não dar a mínima para presentes de Natal, ficaria ofendida com um presente tão sem charme. Comprei-o porque, na última vez em que estive lá, minha mãe disse que o acendimento automático do fogão havia pifado e ela, depois de anos, se vira obrigada a resgatar as caixinhas de fósforos.

Nenhum relato pode ser mais cotidiano e pueril que este. Mas a banalidade do ato termina por aqui. Minha mãe não conseguiu fazer o acendedor funcionar, seu polegar direito, tão necessário para o gesto, talvez como o resto do seu corpo já esteja mais fraco é débil. Minha mãe não está doente, nada disso. Ela está envelhecendo – o que talvez, para os nossos conceitos atuais, seja pior que adoecer. Constrangida diante da família, como se carregasse nas mãos um revólver que não conseguiu disparar num momento de necessidade, ela passou o acendedor a meu pai, na esperança de que ele tivesse melhor sorte.

Meu irmão, eu e minha sobrinha, como se possuídos por um abjeto acesso de vitalidade do qual viríamos a nos arrepender no momento seguinte, exibimos para os dois como era fácil, prático, elegante e viril fazer brotar uma chama amarelada na ponta do acendedor. Depois desta tripla exibição, meu pai tentou e também não conseguiu.

É um relato de nada, uma coisinha tão à toa e por isso mesmo tão dolorida. Saber que a velhice - e a debilidade que ela acarreta - não precisa de grandes fracassos físicos para revelar sua face. Dispensa gritos noturnos, incontinência urinária e as traições da memória. Num almoço de domingo, diante de toda família, um maldito acendedor nos revelou que meus pais há muito deixaram de ser jovens. Não era segredo para ninguém, há anos que nunca foi. Mas lembrar do desconforto e da frustração presentes no rosto deles, duas pessoas idosas metaforicamente incapazes de produzir fogo, o segredo da vida, é algo que machuca legal.

6 comentários:

Mário Viana disse...

Cacete, Sergio... Que constatação dolorida, dolorosa e, ao mesmo tempo, natural. Quando nos damos conta que nossos pais envelheceram.... que nossos filhos ou sobrinhos já são donos do seu nariz... e que nós já não temoa a agilidade de antes... sobre o que eu estava falando mesmo?

Alex Wildner disse...

Olá, querido!
Eu sempre vi meus pais como pessoas guerreiras e fortes. Meu pai, forte, fisicamente inclusive, enorme, valente, bravo, sem nenhum medo, nem de barata, nem de bandido... ele já está menor do que nunca, e vez ou outra, me pede ajuda pra realizar tarefas nao antes dificeis pra ele... Sao atos simples os que nos revelam imensidoes! Eu sinto o envelhecer em mim, que sempre fui o mais jovem da familia. Hoje vivo rodeado de pessoas, todas mais jovens do que eu. Talvez minha aparencia ou meu jeito de agir, sempre rápido e falante, possa enganar os olhos e me deixar mais moço, mas nao... eu posso sentir no corpo, no pensamento. E sei que ainda tenho várias coisas pela frente. Nao tenho medo de envelhecer, pois nao tenho a menor ideia do que isso seja, acho que se eu estiver perto de pessoas queridissimas, sera mais facil, muito mais. Mas ate essas pessoas que amamos, vao indo uma a uma, e isso me deixa sem sono, imaginar que talvez estejamos velhos e sozinhos, isso me confunde. Seu texto me fez ver a imagem do encontro com sua familia, eu vi os detalhes da cozinha, sua mae, seu pai, vc ali no meio... Imaginei os meus pais, me imaginei em cena, e lembrei de mim agora, sozinho, deitado na cama, jovem ainda... Que risco essa vida!

Vera Lúcia Ribeiro disse...

OI, estou te visitando pela primeira vez e estou adorando ler o que vc escreve.
Neste ha uma bela cena que se cala fundo e que doe na alma. Lindo, adorei!

Anônimo disse...

só pra dizer que sinto falta de seus textos poraqui...

Cláudio Oliveira disse...

Caro Sérgio, tocante essa história dos seus pais. Faz lembrar que nós, eu, também, estamos envelhecendo, a caminho de não mais fazer nem fogo.

Anônimo disse...

Trabalhei na Prensatec Estamparia Industrial Ltda, que ficava na via Anchieta, que produzia alguns ou melhor vários dos componentes dos acendedores, dos ventiladores e do CalorVentor e montei diversas vassouras VarreClick. Lembro que ajudei na mudança da MagiClick da al. dos Maracatins, para São Bernardo, depois para a Rua Alberto Nepomuceno no Ipiranga e depois para a Av. Nazareth também no Ipiranga. Depois essa empresa que eu trabalhava fechou e nunca mais soube o que ocorreu com a Magiclick. Se não me engano o responsável por ela chamava-se Vandir. Isso foi entre 1976 e 1981.Meu nome é HENRIQUE DE OLIVEIRA