domingo, dezembro 05, 2010

Cabecinha dura

Nos últimos meses, minha memória inventou de me punir. De cada dez lembranças que me veem à cabeça, assim do nada, nove não são lembranças boas. Não acredito que eu tenha me convertido em uma pessoa mórbida ou derrotista – ainda que eu tenha sempre cultivado estes dois defeitos (será que são defeitos mesmo ou apenas um providencial freio para que a gente não se transforme em um babaca deslumbrado?) não acho que eles tenham fugido do controle de uma hora para outra.

As tais lembranças que vira e mexe me atazanam não têm nada a ver com mortes ou outros episódios igualmente tristes. São apenas um conjunto mais ou menos tolerável de decepções, de gafes, de mal entendidos, de pequenas mágoas que talvez pudessem ser evitadas, mas não foram. Então, nos últimos meses, quando minha memória decide resgatar algumas coisas do meu arquivo morto, só por pirraça resgata justamente os momentos em que fui patético – deixando encobertos pelo pó do tempo os momentos em que não o fui. Talvez fosse querer demais ser visitado apenas pelos episódios do passado em que eu marquei o gol – mas também não precisava ser assombrado por aqueles em que eu perdi o pênalti e ainda fui vaiado. Tudo me leva a crer que eu tenha desenvolvido uma memória seletiva ao contrário – só as chateações é que estão sendo preservadas pela minha massa cinzenta cada dia mais ranzinza.

Estou fazendo o possível para acreditar que existe algo de positivo nisso. Talvez minhas memórias se mostrem mais interessadas em me educar do que em me punir – é como se, ao recuperar uma mancada de dez anos atrás, meu cérebro procurasse me dizer que eu não estou livre de novas mancadas, mas que aquela mancada específica eu não preciso mais reproduzir. É amarga, mas não deixa de ser uma lição. Meu medo é de que, a continuar assim, minhas memórias assumam o papel de uma grande mãe universal, disposta a me deixar de castigo até que eu peça perdão e jure não fazer mais traquinagens.

Se este é o lado positivo da questão (haja otimismo nesta constatação), também existe o lado que chega a ser quase desesperador. É ele que me diz que, por mais que o tempo passe, por mais que a gente acredite ter ganhado alguma sabedoria e por mais que a gente tenha se esforçado para refinar os nossos sentimentos em relação ao mundo e a nós mesmos, a gente não precisa de mais do que dez minutos para trocar os pés pelas mãos de novo. Basta botar a cara para fora que a gente vai começar a errar, a tropeçar, a dar cabeçada e a magoar a quem não devia. E, muitas vezes, esta pessoa a quem a gente magoa tanto, é aquela que invariavelmente trazemos de volta para casa noite após noite: nós mesmos.

3 comentários:

Iris Tseng disse...

Você é humano! Apenas isso.
Faz parte da alegria e dor de viver.
=)

Mário Viana disse...

Serginho, deve ser isso que diferencia uma pessoa 'madura' de um jovem arrogante... a consciência de que se comete erros, sim. Talvez a sacada seja rir dessas gafes e rocar o barco.

Só no blog disse...

Mário, eu acho que isso tem a ver com o fato de que este ano eu faço 28 anos. Deve ser isso, né?É o retorno de Saturno, mas no meu caso Saturno pegou um caminho errado e está chegando um pouquinho atrasado.
beijoca