quarta-feira, abril 13, 2011

Acaju

Ouço de muitas pessoas, amigos inclusive, que se existe alguma vantagem no correr dos anos(que podemos chamar aqui de maturidade) é que se perde o medo do ridículo. Infelizmente, não é o que acontece comigo. Quanto mais passa o tempo, mais cresce o meu medo de ser ridículo. Caberia uma imensa discussão aqui sobre o que é, afinal, ser ridículo. Mas no íntimo, cada um de nós, por experiência própria ou observação do mundo, tem, ou deveria ao menos ter, o seu conceito de ridículo muito bem formulado. Eu também tenho o meu. Gostaria que ele fosse um pouco mais elástico, ou menos autoritário, mas não é o caso: sempre tive medo de ser ridículo e este medo, ao contrário de outros que domei na vida, continua a me infernizar.

É este medo que muitas vezes me faz calar diante de fatos e coisas que não consigo entender direito. Aprendi que o silêncio costuma estar do lado oposto do ridículo – e o silêncio pode ser a nossa maior contribuição diante do inexplicável. Ouvi, como todo mundo deve ter ouvido, centenas de explicações igualmente ridículas sobre o comportamento e as motivações daquele jovem que abriu fogo contra crianças numa escola do Rio. Frases feitas, conceitos surrados, a chamada psicologia de botequim quando o botequim já está prestes a fechar. Estamos adquirindo o terrível vício de tentar explicar aquilo que foge da nossa compreensão. E tentar explicar sempre, como se a nossa opinião, e só ela, definisse a nossa postura no mundo. E quando não temos opinião? E quando a nossa opinião não acrescenta absolutamente nada de louvável e interessante a tudo aquilo que já foi dito e escrito? Qual o problema de se calar? Qual o problema de se ficar quieto num canto e evitar, acima de tudo, ser apenas mais um ridículo?

Meu medo de ser ridículo talvez resulte do fato de eu já não me sentir mais tão jovem. Quando se é adolescente, o nosso ridículo pode ser confundido com rebeldia, auto-afirmação, desajuste ou algum processo desenfreado de busca. Explicações maravilhosas que realmente funcionam. O tempo, aos poucos, vai eliminando estes nossos álibis. E é por isso que eu não compro muito esta idéia de que a maturidade nos abre a porta para o ridículo. A maturidade fez com que eu desse menos importância a uma série de coisas – menos ao temor de ser ridículo.

Se não me engano, Fernando Pessoa diz em um poema que só as pessoas ridículas não escrevem cartas de amor ridículas, pois todas as cartas de amor são, por definição, ridículas. Mas ser ridículo, por descuido ou deliberadamente, é um tipo de exercício que eu não pretendo realmente praticar. Isso não vai me impedir, obviamente, de tomar atitudes ridículas até o último dos meus dias. Talvez este post em si já seja uma prova da minha indisfarçável capacidade de ser ridículo. Talvez daqui a meia hora, ao sair de casa, eu tome uma atitude ridícula em cada esquina. Talvez eu buzine para o carro da frente porque ele não arrancou quando o semáforo abriu, como eu fiz ontem. Talvez eu seja cruel com alguém que não é de forma alguma responsável por uma eventual tristeza ou frustração de minha parte. Talvez eu alimente sentimentos de vingança, talvez eu não reconheça no outro uma certa nobreza apenas pelo meu medo da competição. Talvez eu me deite e me levante com a sensação de ter sido ridículo justamente por que fiz um pouco disso tudo. Talvez eu pinte meu cabelo de acaju e passe os dias a distribuir selinhos na boca de todo mundo.

Mas eu garanto que não vou me orgulhar disso. E que não vejo o passar dos anos como um salvo-conduto, como uma autorização para que meus atos pequem pela falta de inteligência, generosidade e bom-senso. A cada dia o ridículo me dói mais. E sinceramente não invejo os que acreditam que ser ridículo é uma conquista que a idade nos traz.

4 comentários:

Kiko Rieser disse...

Bela volta à blogosfera (uma das palavras mais ridículas já inventadas). Em algum momento, fatalmente, seremos solitários e ridículos. E essa consciência não tira o caráter assustador da afirmação.

Mário Viana disse...

Cabelo acaju é foda.

Anônimo disse...

Enfim, descobri um blog que tem tudo haver comigo. Sempre tive vontade de criar um e postar todos os textos que digito no Word; dividir meus pensamentos com outros pensamentos. Mas tenho medo... Medo de ser ridícula! Então, salvo os meus textos e não compartilho com ninguém.
Suas ideias são parecidas com as minhas! Somente, muda o jeito como as coloca.
Amei o modo como você organiza seus pensamentos – é um texto claro e objetivo, muito bom de ler, apesar de ser extenso, aliás, amo textos compridos! Há pessoas que se preocupam muito com a aparência do texto e esquecem que o mais importante é a mensagem que quer passar. Com certeza, é esta a sua profissão certa!
Beijão.

Anônimo disse...

Enfim, descobri um blog que tem tudo haver comigo. Sempre tive vontade de criar um e postar todos os textos que digito no Word; dividir meus pensamentos com outros pensamentos. Mas tenho medo... Medo de ser ridícula! Então, salvo os meus textos e não compartilho com ninguém.
Suas ideias são parecidas com as minhas! Somente, muda o jeito como as coloca.
Amei o modo como você organiza seus pensamentos – é um texto claro e objetivo, muito bom de ler, apesar de ser extenso, aliás, amo textos compridos! Há pessoas que se preocupam muito com a aparência do texto e esquecem que o mais importante é a mensagem que quer passar. Com certeza, é esta a sua profissão certa!
Beijão.