...e então a gente se dá conta de que aconteceu com a gente também.
Não se trata aqui de falar de algo específico, mas de um conjunto de coisas, um grande conjunto de coisas. A gente olha apressadamente para o espelho e poderia jurar que viu a imagem do nosso pai refletida ali;
se trai na hora de fazer algum comentário e percebe que a sua mãe poderia ter dito aquilo – e você a chamaria de uma velha careta e conservadora;
se esquece de que algumas coisas que anda fazendo são justamente aquelas coisas que algum tempo atrás você criticava e tinha a certeza, uma certeza arrogante, de que jamais as faria, não você;
se surpreende ao notar que já está, agora, na metade de um caminho que até algum tempo atrás você tinha certeza de que não iria trilhar;
se entristece a notar que sua fé está bem menor, e o tamanho da sua fé, em si e no resto da humanidade, era algo que o enchia de orgulho;
não ri mais das coisas que costumava rir, por prudência, recato, medo de parecer idiota ou por que não acha nada mais daquilo engraçado, o que vem a ser a pior das hipóteses;
dá uma olhada na agenda, na de papel, e não sabe onde foram parar alguns amigos, logo aqueles que era difícil imaginar a vida sem eles, e você não apenas imagina a vida sem eles, agora você toca a sua vida sem eles;
você abre o armário e tem vontade de jogar fora tantas coisas que já não dizem mais nada e você nem se lembra mais por que as guardou mesmo;
escondido do mundo e de si próprio, você se lembra de uma época em que ficava abismado ao ver algumas pessoas escondidas do mundo e de si próprias;
reserva para o mundo um olhar triste e desesperançoso, o olhar de um médico diante de um paciente precocemente condenado, e se recorda do tamanho do medo – e da piedade – que sentia quando flagrava um olhar como este que agora é o seu;
pensa em voltar e começar uma nova estrada, mas vê que o combustível está acabando, que não se lembra mais de onde as estradas começam e decide seguir pois, dos males o menor, você já está na metade do caminho mesmo;
é acometido por aquela sensação desconfortável e pretensiosa de que já viu quase tudo, de que tudo foi, é ou está condenado a ser igual, quando seu despreparo diante da vida é a prova mais evidente de que ainda não viu quase nada;
e o cansaço, e o cansaço, e o cansaço...
...e então a gente se dá conta de que aconteceu com a gente também.
sábado, junho 05, 2010
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8 comentários:
À medida que lia o texto, fui me dando conta de que também aconteceu comigo. Papel carbono...
Me identifiquei muito com o seu texto.
Abraço!
Olá, muito obrigado pela visita. Adorei o seu nome! abração, sérgio
qualquer um pode se identificar com seu texto. com 20, 30 ou 40 anos (claro, mais fácil aos quarenta!).
acho q vc precisa se apaixonar. mesmo q saiba q vai acabar (e é sempre inevitável q acabe!). só a paixão acaba com o papel carbono.
Hummmmmmmmmm, ótima dica. Vou tentar colocar em prática! grande abraço.
Caro Sergio, que descoberta boa teu blog, sempre gostei das tuas peças mas confesso que não tinha lido muto teus textos...SÃO MARAVILHOSOS, Papel Carbono é perfeito. Obrigado por compartilhar teu talento ! Abraço grande. João Caldas
Valeu, João, brigadão pelo carinho e pela força, queridao.
abraço
...e então a gente se dá conta de que envelheceu.
Muito lindo. Tão real...
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