segunda-feira, março 01, 2010

Lei do psiu

Não houve nenhuma briga no caminho, nada de especialmente ruim aconteceu e também não estamos de mal com o mundo. Ao menos, acreditamos que não. Mesmo assim, não sentimos muita vontade de conversar, de sair, de encontrar as pessoas pelo prazer de jogar conversa fora, de passar um tempão com um amigo diante de uma xícara de café falando de nossa surpresa por até hoje não terem encontrado o túmulo da Cleópatra, ou qualquer outro assunto igualmente palpitante. A gente só quer ficar quieto. No máximo, ouvir vozes que não sejam as vozes dos amigos, mas aquelas que vêm dos livros, dos filmes, da nossa quietude. É aquela época em que a gente tem a certeza de que não veio do macaco, mas sim dos ursos – e por isso precisa hibernar, ainda que não seja inverno. Mas em algum lugar talvez já seja. Em algum lugar que talvez só a gente conheça já está fazendo frio.

Eu não costumo me assustar muito com estes períodos. Sei que eles partirão com a mesma delicadeza com que chegaram. Eu só sinto que é preciso levar a sério este momento, é preciso calar um pouco as outras vozes para que possamos ouvir o que esta voz especial que nos visita de vez em quando tem a nos revelar. O problema é que esta voz costuma falar baixo e insiste em que a conversa seja particular – daí nossa necessidade de se ausentar um pouquinho. Não tem a ver com tristeza, não tem a ver com depressão, não tem a ver com a incompreensão da qual às vezes nos achamos vítimas. Tem a ver com o silêncio – o que não é menos assustador.

Penso se às vezes não temos o direito de dizer não ao mundo, não estamos interessados, volte outra hora. Não estamos interessados em saber se as ONGs que firmaram parceria com a Madonna ainda não receberam nenhum tostão da estrela; se a atual edição do Big Brother é a mais homofóbica – ou a mais homoafetiva – da história; se Jesus era gay, se o Aécio Neves vai ser o vice na chapa de José Serra à presidência da República ou se irá se lançar senador por Minas Gerais, se o ator Robert Pattinson, o vampiro do filme Crepúsculo, tem alergia à vagina e é dono de uma cabeleira indecentemente oleosa, se a Dilma Roussef caiu no gosto popular um mês antes do previsto e se, como eu li hoje numa matéria sobre teatro, ser broxa e fracassado é a cara dos paulistanos do ano 2 mil. Sei que é o mundo que temos, ou pelo menos parte dele (torço para que existam coisas bem melhores no nosso horizonte). Mas será que não temos o direito de, pelo menos por alguns dias, não fazer parte de nada? Será que estaríamos sendo arrogantes e prepotentes se pedíssemos para descer um pouquinho deste ônibus para verificar se os atalhos não são mais interessantes que as pistas expressas em que trafegamos?

Saí para jantar há alguns dias com um amigo. Ele me disse que eu tinha perdido o brilho e o humor. É algo chato de ouvir (isso se a gente acreditar que algum dia teve brilho e humor). Mas é algo que ninguém precisa nos dizer: nós sabemos muito bem quando o nosso ibope está dando traço. Nestas horas, continuo acreditando, o melhor a fazer é não resistir a esta onda. O jeito é encher os pulmões de ar, acalmar-se, lembrar que desde criança nós já sabemos boiar e torcer, torcer de coração, para que esta onda nos leve para alguma praia bem bacana. Aonde chegaremos morrendo de saudade da algazarra dos amigos e cheios de boas histórias para contar. Até lá, só o barulho do mar. Se tanto.

9 comentários:

Anônimo disse...

Massa, sem me alongar para respeitar seu quase silêncio, talvez isso seja um caminho para a serenidade e por que não, um plácido conformismo, que merecemos, bjão
Celso Fonseca

Só no blog disse...

Fonsa, você me fez lembrar de uma coisa engraçada que eu ouvi... Não lembro quem disse, mas a história era assim "Antes, todos os meus amigos tomavam ácido; hoje todos tomam antiácido".
beijão

Julia M. disse...

Cheguei nesta casa (virtual) sem querer e para não deixar que a vinda fosse inútil li seu último post e alguns outros, com muito interesse. Ao compreender (silenciosamente) a linguagem dos ursos, penso que é justo saltar um pouco do ônibus, não só, necessário. “Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo”. (e nada há de errado com o humor e o brilho, que existem, mas já são outros)

Um beijo.

Só no blog disse...

Oi, Julia, que bom que sua visita valeu a pena! Fico feliz. Apareça sempre por aqui. Beijão e obrigado, sérgio

fátima disse...

mas não mesmo isso, não é melhor ficar quietinho, opaco, do que brilhar com essas falsas luzes de neon que andam por aí?
bj

Kiko Rieser disse...

Legal. E quando tiver chegado na prainha, liga e marca uma cerveja!

Só no blog disse...

Isso, Kiko, vamos encher de cerveja sua barriga de tanquinho.

sheyla disse...

oi, sérgio
uma vez nos falamos por telefone, há um tempão, quando eu ainda era estagiária de texto da revista bravo!.entrei em contato para que você me indicasse os melhores espetáculos daquele ano, acho que ainda era 2008.

desde então, entro com frequência no seu blog. e acho engraçado de um jeito estranho como algumas vezes, mesmo que não nos conheçamos, experimentamos sensações tão semelhantes. tantas vezes li algo que escreveu aqui e pensei que talvez você morasse dentro da minha cabeça, ou eu deveria estar soprando na sua os meus pensamentos em alguma espécie de comunicação telepática.

pois que agora também estou em uma fase de urso.

é um prazer te ler.

um abraço,
sheyla

Só no blog disse...

Oi, Sheyla, tudo bem, querida.
Que delícia o seu comentário, fiquei muito feliz, de verdade. lembro da nossa conversa, sim. Muito obrigado pelo carinho e pela visita ao blog. Um grande abraço....meu urso interior ainda não foi embora, viu....