segunda-feira, setembro 14, 2009

Data de vencimento

Há alguns dias eu compartilhava uma mesa de bar com dois amigos. Um deles estava bem, como pareceu estar sempre bem ao longo de todos estes anos que a gente se conhece. O outro estava um caco. Tinha acabado um namoro de quase um ano, chorava na nossa frente e dizia ter certeza de que aquela mulher de quem ele começava agora a se afastar era a mulher da vida dele. Eu nunca sei bem o que dizer diante de alguém que chora. É como se as lágrimas brotassem de algum lugar aonde as palavras não chegam. Eu prestava muita atenção ao que o amigo dizia, tentava compreender sua dor e, por algum motivo qualquer, achava que ele tinha razão. Naquele momento – e ainda que aquele momento não viesse a durar para sempre – a mulher por quem ele chorava era mesmo a mulher da vida dele.

O outro amigo, cuja praticidade eu sempre invejei, ouvia tudo calado como eu, movimentando apenas o braço direito, que levava o copo de chope até a boca. Então, quando o desabafo do nosso amigo triste parecia ter chegado ao fim, ele pediu a palavra para dar seu surpreendente diagnóstico – que depois eu cheguei a me perguntar se seria sempre este o diagnóstico masculino.

- Chore mesmo – disse o amigo prático. - Chore e esperneie tudo o que você tem de espernear. Sofra, pragueje, vá ao fundo da sua dor. Mas calcule um tempo exato para este sofrimento: um mês, a contar de hoje. Daqui a um mês você deve se levantar, olhar para o espelho e dizer: agora acabou. Vou partir para outra porque esta dor ficou antiga. Chega de sofrer por isso.

Eu, que já estava quieto, resolvi me calar ainda mais, na tentativa de acreditar que fosse possível estipular um prazo para o fim da dor. Depois pensei muito no que tem sido a vida deste amigo prático durante todos esses anos que o conheço. E tive de admitir que ele sempre seguiu à risca seu próprio conselho. Não importava o tamanho do amor ou do luto, do prazer ou da dor: uma manhã qualquer ele levantava e decretava o fim daquilo que sentia.

Nunca acreditei que nossa supremacia sobre os sentimentos pudesse chegar a este nível. Reagir à dor é possível – mas que possível, talvez seja saudável. Quanto a dizer em que momento ela deve terminar, isso eu já não sei. Se pudéssemos controlar a dor com tanta aritmética, talvez pudéssemos fazer o mesmo em relação ao amor, à saudade e a tudo aquilo que faz de nós ser o que somos. Depois pensei se haveria teatro, literatura, cinema e música se a dor tivesse prazo de validade. Pensei em todas as peças, filmes e livros que só nasceram porque a dor e o amor fugiram totalmente do controle de algum autor. Talvez nós estejamos aqui porque um dia o amor e o desejo fugiram ao controle dos nossos pais.

E se eu soubesse que o que eu sinto agora poderia ser controlado daqui a um mês, acho que eu não seria nada e nem ninguém. Talvez um boleto bancário, talvez um calendário preso na parede, no máximo um aviso colado na porta da geladeira. Eu acho que a gente é bem mais do que isso porque a nossa dor e o nosso amor vão sobreviver mais do que um mês. Vão sobreviver a nós mesmos.

9 comentários:

Anônimo disse...

vão sim, sergim, sobreviver a nós. tenha a certeza disso. e concordo contigo. elas é que fazem de nós o que somos, essas emoções absolutamente imprevisíveis. acho que seu amigo lógico e prático não consegue superar tudo na data marcada. ele enterra tudo em algum canto. o problema com esses fantasmas enterrados é que eles tendem um dia, quando menos se espera, a se manifestar novamente. e daí sabe lá que forma tomarão. saudade muita, cumpadi.
estamos trampando hecho locos. receba meu abração! amanhã te ligo.
inté. guza

Kiko Rieser disse...

Belo jeito de olhar pra isso! Uma espécie de otimismo inteligente...

Beta disse...

Não é possível estipular um prazo para o fim da dor. Pelo menos pra mim não é. Mas sim, é saudável reagir a ela, como você bem coloca. E chega desses encontros fortuitos, vamos marcar logo uma cerveja pra botar o papo em dia.
beijos

Mário Viana disse...

Serginho, será que esse seu amigo pragmático não tava apenas tentando colocar um sinal pro seu amigo fossento? Porque, vamos combinar, tem gente que se profissionaliza em sofrer, fazendo dos ouvidos alheios uma terapia gratuita. Desabafar é fundamental, ouvir desabafos é humano. Mas tem nego que desabafa por exibicionismo, estando pouquissimamente interessado no que vc vai dizer pra ajudá-lo. A jogada é exatamente essa: despejar, sair frustrado porque não melhorou e frustrar quem ajuda, porque não conseguiu ajudar.

Agora, dor com data marcada pra acabar também é dose. "Me liga às 13, pq tô na fosse até 12h40, depois tô livre".

bjs

Só no blog disse...

Mário, sabe que eu não tinha pensado nisso? Mas é bem possível, né? Falando em dor com hora marcada, uma vez eu entrevistei uma mulher que escrevia livros psicografados. E ela só recebia os espíritos depois do almoço, de segunda a quinta, porque na sexta ela tinha de cuidar das contas, dos bancos, não é o máximo?

Mário Viana disse...

A pergunta que nunca me cala é: quem recolhe os direitos autorais de obra psicografada?

tete.bezerra disse...

Mais um bonito texto!A gente sempre vai apostar no amor,mesmo como todas as dores e decepções.

Anônimo disse...

pelo menos a primeira parte do conselho é bem bacana. Chorar, falar, se expressar; a segunda parece com um conselho do tipo: daqui a um mês afaste-se de vc mesmo, seja lá o que vc esteja sentindo ou experienciando no momento... E isso não abre espaço para a surpresa de nos conhecer mais intimamente, e isso é tão precioso... E concordo com o Mário Viana também.
bjim
Valéria

Janaína disse...

Eu fico me perguntando se este amigo REALMENTE acredita no conselho que deu. Sabe que eu acho que não. Mesmo porque, se por acaso ele já usou deste método não deve ter dado certo, e se não usou, como pode afirmar? Sei lá...rsrs
Beijão