segunda-feira, dezembro 15, 2008

É Natal. Paciência!

Uma cena impressionante deve ter chamado a atenção de quem passou (ou tentou passar) pela região da Avenida Paulista à meia-noite do último sábado: um congestionamento gigante, desses que a cidade registra somente em dias de tempestades ou acidentes sérios, se estendia da região do Shopping Paulista até o fim da Avenida Doutor Arnaldo. Eram quilômetros e quilômetros de carros parados num dia e num horário em que o trânsito naquela região deveria estar fluindo bem. Se fosse a chuva a causar tamanho transtorno, até que não seria assim tão ruim. Assim que as águas baixassem, a gente voltaria a circular normalmente pelas ruas. Mas a causa desta chatice toda deve durar muito mais que os dilúvios bíblicos – tudo estava parado em função daquela decoração natalina de gosto sempre duvidoso que atrai milhares de pessoas embevecidas diante de um repetitivo festival de acende-e-apaga e de imagens de papai Noel com a pança eternamente sacolejante.

Uma amiga me contou que, no mesmo sábado à noite, levou 45 minutos para cruzar a Paulista de ônibus, do prédio do Sesc até o Conjunto Nacional – um trajeto que não levaria mais de cinco minutos em uma noite normal. Segundo ela, depois de um tempão parado na esquina da Paulista com a Brigadeiro, o motorista do ônibus levou as duas mãos à cabeça e desabafou talvez para si próprio: “A gente não merece isso. Durante o dia, a gente até agüenta, mas à meia-noite não é justo”, disse ele. Hoje de manhã, na academia, ouço uma pediatra dizer que gastou uma hora e meia de Perdizes, bairro em que mora, até o Paraíso, onde um bebê estourando de febre esperava por uma consulta de emergência.

E então eu me pergunto: será que o tal espírito de Natal merece este sacrifício por parte de milhares de pessoas que pretendem simplesmente se locomover na cidade e não estão, naquele exato momento, preocupadas em ver fachadas de banco iluminadas? Tenho a impressão de que, quando se vive em uma cidade de mais de dez milhões de habitantes, qualquer iniciativa que venha a representar, por um longo período de tempo, um obstáculo à livre circulação dos moradores, deve ser examinada com muita cautela. Não estou defendendo que a cidade permaneça às escuras nesta época em que, acredito eu, todo mundo anda atrás de alguma luz –na impossibilidade de ser interna, que nos seja dada pelo Banco Santander pelo menos. O problema é que esta decoração, criada talvez para encher os olhos dos paulistanos de um deleite cafona, está enchendo muito mais, mas muito mais, o nosso saco. Vivemos em uma cidade em que já não se anda durante o dia – e agora somos impedidos de andar por um mês durante as noites também. Não há paciência natalina que resista a isso.

Eu ainda consigo evitar esta pentelhação: vou à Paulista de metrô ou simplesmente deixo de ir. Mas imagino a situação de quem tem na avenida o seu caminho de volta para casa, quem mora ali ou precisa ir, por exemplo, aos hospitais da região. Estas pessoas devem estar odiando esta época muito mais do que eu. Quando eu vejo este caos na Paulista e depois me recordo que os flanelinhas estão agindo impunemente na região central da cidade, cobrando quatro reais por hora dos motoristas que deixam o carro na rua, sob as barbas da Polícia, tenho de admitir que, infelizmente, para nós paulistanos, o Natal está se transformando numa festa de bárbaros.

4 comentários:

Iris disse...

Concordo!

Fabrício Muriana disse...

Concordo que exaltar a decoração brega dos bancos é de um vazio absurdo.
Mas a essência do seu argumento, a meu ver, é o direito de ir e vir. Acho que enquanto continuarmos baseando o direito de ir e vir em São Paulo no uso de carros, estaremos alimentando o paradoxo: quanto mais carros, menos possibilidade de ir e vir. Independente da breguice do natal bancário.
Abraço

Só no blog disse...

Oi, Fabrício, concordo com você. Eu acho que as pessoas têm todo o direito de apreciar a decoração natalina, de levar os filhos para ver os prédios iluminados, nada contra isso. Mas eu penso: se é para admirar a paisagem, não seria mais bacana ir de metrô e caminhar tranquilamente pela avenida? O que me incomoda é saber que milhares de pessoas têm de passar por ali não por curiosidade, mas por necessidade. Mas, enfim, acho que é o preço que pagamos por morar numa cidade deste tamanho, não é? super abraço

Anônimo disse...

Serginho, eu acho o máximo o mês de dezembro na Paulista. Fica brega, mas fica alegre. As pessoas vêm de longe, trazem seus filhos, rola um clima tão bonito, a gente quase acredita que haja uma solução a caminho...
Infelizmente, uma boa parte vem de carro - mas paulistano vai de carro comprar pão! Como eu ando a pé pela Paulista, simplesmente curto a breguice carinhosa e acho lindo.
Prefiro mil vezes as cores das luzes natalinas e os papais noéis esquistos do que as calçadas cor de cinza do seu Kassab. Cor é vida. Cinza é sem graça.
bjs e feliz natal!!!!
Mário Viana