Na semana passada assisti a um episódio inédito da série House. Fazia vários meses que eu não via o programa e confesso que não sei nem em que temporada estamos. Percebi que algum tempo havia transcorrido a partir de duas observações: há novos personagens na trama e o doutor House está, se é que isto é possível, ainda mais irônico e incorreto. Sei que todo charme de House se deve justamente a isto, a esta sua aparente falta de compaixão pela dor alheia, embora faça tudo que esteja ao seu alcance para salvar seus pacientes ou, no mínimo, garantir-lhes alguma dignidade perto do fim. Penso que o personagem circula numa fronteira muito perigosa entre a coragem e o escárnio, entre a autenticidade e o deboche. Ao ver o programa, na última quinta-feira, senti que o doutor House perdeu um pouco de sua própria noção do perigo e corre o risco de se tornar – e me perdoem os admiradores da série, entre os quais me incluo – uma caricatura de si mesmo.
Porém, o que mais me atraiu naquele episódio específico não foi a faceta nebulosa da personalidade do médico, e sim a trama secundária que conduziu todo o programa. House parece ter contratado um detetive particular que descobriu vários detalhes sigilosos da vida dos outros médicos do hospital – e, de posse destes dados, ele poderia fazer algum tipo de chantagem mas, em vez disso, optou por um caminho ainda mais cruel: obrigou cada um dos colegas a se confrontar com aquela parcela da verdade que permanecia oculta a todos. E é sobre isso que eu não paro de pensar, desde o fim do programa. House passou o episódio todo acendendo luzes sobre aposentos que seus amigos insistiam em conservar no escuro.
Eu sinto que, caso a gente se debruçasse sobre este tema, talvez conseguisse escrever páginas e páginas a respeito desta zona nebulosa delimitada pela verdade de um lado e a hipocrisia do outro, e na qual circulamos durante muito tempo em nossas vidas. Talvez o resultado de tanta escrita não tivesse valor algum e não interessasse a ninguém, nem a mim mesmo. E é bem possível que eu não tenha um repertório filosófico avantajado para dar conta deste dilema, por isso me limito, aqui, a reproduzir a pergunta que não sai da minha cabeça: até que ponto conseguimos realmente lidar com a verdade? Ou melhor: a partir de que dosagem a verdade se configura numa droga com potencial para destruir ou ao menos dar um novo contorno àquilo que chamamos de cotidiano? Até que ponto, ou por quanto tempo, preferimos continuar com os olhos e ouvidos fechados para algumas coisas que parecem gritar à nossa frente? E, por fim, numa hipotética batalha final entre a verdade e a ilusão, de qual lado da arquibancada nós iremos nos sentar? Sempre ouvi dizer que a verdade liberta. Acredito nisso, talvez liberte mesmo. Mas então, finalmente libertos e donos do nosso próprio destino, o que faremos das nossas vidas e de todo tempo que nos resta? Eu confesso: tenho muito medo desta resposta. Será que precisamos, realmente, abandonar aquela ilusão que nos cega mas, ao mesmo tempo, nos alimenta com a nossa felicidade possível?
Este é, ao menos hoje, o ser ou não ser da minha vida. Há outros melhores, mas no momento este é o que eu tenho.
segunda-feira, dezembro 01, 2008
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Um comentário:
não sei se há outros melhores, massa. sei que esse é crucial, e tu enfiou o dedo na ferida com essa aparente e enganosa simplicidade (porque nessa pergunta tão básica que você formula há rodas dentro de rodas, há camadas e camadas)de que só você é capaz. vou dormir pensando nisso. abração, querido. guza
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