domingo, novembro 04, 2007

Arte ou sacrifício?

São duas da tarde do feriado de dois de novembro, uma sexta-feira de tempo insuportavelmente abafado. Chego à bilheteria do Cine Bombril, no Conjunto Nacional, para comprar dois ingressos para a tal repescagem da Mostra de Cinema - na verdade um minifestival, logo após o período oficial da Mostra, em que são exibidos alguns títulos que o público escolheu ou, o que parece mais evidente, cópias cujas distribuidoras permitiram que ficassem no Brasil por mais alguns dias. Encontro uma fila de umas 15 pessoas à minha frente, uma fila que caminha muito devagar, o que só faz ressaltar o calor absurdo que fazia ali no Conjunto Nacional. E naquela hora, como em poucas vezes nos últimos tempos, eu me senti um completo idiota. Me perguntei o que eu estava fazendo ali, naquela fila lenta e enervante, se poderia estar fazendo qualquer coisa mais agradável ao ar livre, talvez almoçando na companhia de amigos, tomando chope em algum boteco com mesinhas na calçada, andando em algum parque ou simplesmente lendo em casa, de cueca, camiseta surrada e janelas abertas. Será que são realmente válidos os sacrifícios que fazemos sempre que queremos consumir algum tipo de arte?

Eu já tinha tido muito tempo para pensar nisso quando enfrentei uma inexplicável fila de quatro horas e meia para comprar minha credencial para a Mostra de Cinema. Alô, organizadores: até quando vai fazer parte do evento este ritual de sacrifício a que vocês submetem o público, hein? Na ocasião, disseram que o sistema caiu, os computadores ficaram fora do ar e, assim, as credenciais não podiam ser vendidas. OK, vamos acreditar nestas mazelas da informática e dar mais um crédito ao evento. Mas nesta sexta-feira de finados, depois de enfrentar dez dias de projeções, eu senti o quanto estava cansado de correr atrás dos filmes. E fiquei me perguntando se realmente valia a pena aquele sacrifício todo. Se eu havia me tornado uma pessoa melhor, um pouquinho mais culto e informado, de correr de uma sala para outra, às vezes comendo tranqueiras na rua para não perder os letreiros do filme seguinte... Claro que há algo de muito prazeroso em ir ao cinema - mas existe também uma fronteira muito nítida entre o prazer e o sacrifício em eventos como a Mostra de Cinema, o Tim Festival, a Flip e tantos outros que nos obrigam a comprar ingressos com semanas de antecedência, a enfrentar filas, a passar calor, a brigar por uma vaga no estacionamento, a ficar horas em pé, dormir mal, comer pouco... tudo isso em nome de quê, na verdade? Penso se fazemos tudo isso por que realmente saímos enriquecidos destas experiências ou, no fundo, estamos confundindo tudo isso com mais um tipo de consumo que nos escraviza? O que restou em mim dos poucos mais de 20 filmes que vi na Mostra? De quantos títulos eu ainda me lembro? Quantas histórias vão continuar na minha cabeça daqui a uma semana, um mês, um ano? E a mais triste das perguntas: quem me obrigou a isso?

Resolvi falar sobre este assunto com um amigo. Radical que é, ele não teve dúvidas ao me responder que toda esta correria não valia absolutamente de nada. A arte, disse ele, na maioria das vezes não faz outra coisa senão nos deprimir. Não acredito que seja exatamente assim. O que sei é que, naquela sexta-feira, eu vi apenas um dos dois filmes para os quais havia comprado ingressos. Quando acabou este primeiro filme, saí do cinema, caminhei pela Alameda SAntos até encontrar uma lixeira e ali, às nove da noite, rasguei e joguei fora o ingresso do segundo filme. Pode parecer cruel, mas poucas vezes eu fiz algo tão libertador. Graças a Deus, eu botei na cabeça que não precisava mais ver nada, graças a Deus eu tinha tirado dos meus ombros o peso de ver arte como se carrega pedra. E, acima de tudo, graças a Deus a próxima Mostra de Cinema é só daqui a um ano.

7 comentários:

Anônimo disse...

não sei se é a idade ou a overdose de informação a que somos expostos hoje, meu caro, mas não tenho mais saco pra essas coisas. saudades dos tempos em que a mostra ocorria só no masp...

Fabrício Muriana disse...

Essa de largar mão de ver um filme eu tentei duas vezes esse ano. Não consegui, acabo indo.
Mas a mostra é foda. Não tem como defender. Muita fila, sessão atrasada, projeção desfocada, legenda sem sincronia. Mas fazer o quê? Se eu for baixar todos os filmes que assisti, vou precisar vender as calças pra pagar banda larga. Fora que não é o mesmo que o cinema. Enfim, choramos e continuamos indo até que haja uma alterntiva.

Só no blog disse...

Marcinho, meu broda. Saudades. Também fiquei me lembrando das sessões do Masp... SErá que devemos confessar isso aqui? Não vão achar que somos dois velhinhos rabugentos? Velhinhos sei que não somos...quanto ao rabugentos...posso responder amanhã?
Fabrício, meu caro. Claro que não vou indicar isso para você - seria um crime. Mas confesso que foi uma delícia jogar um ingresso fora e ir tomar chope lá no Astor, na Vila Madalena...Tomara que a moda não pegue. Super abraço.

Anônimo disse...

massinha, e eu tb tenho um blog: www.quasepoucodequasetudo.blogspot.com. Vai lá!!!

Flavio disse...

Sei qual é. Não fui ver nenhum filme da mostra. E depois de me preparar para isso... É uma redenção.

Anônimo disse...

Quanto voce ganha por mes para poder rasgar 15 reais (ou cerca) e jogar numa lata de lixo?

Só no blog disse...

Eu ganho bem pouco, pode acreditar. Mas o prejuízo não foi assim tão grande: o ingresso custou R$ 6,50.