A caminho do cinema, na noite de terça-feira, ouço no rádio um programa comandado por João Marcello Bôscolli. Se não me engano, o nome do programa é Música Urbana, transmitido pela Rádio Eldorado. Sempre que escuto o nome de João Marcello no rádio ou vejo sua imagem na televisão, me lembro da primeira vez em que o entrevistei. Eu trabalhava no Jornal da Tarde e fui conversar com ele para uma reportagem especial sobre o aniversário de morte de Elis Regina. Não me lembro agora se eram 15 ou 20 anos da morte – o que só reforça a minha suspeita de que o tempo anda passando mais depressa do que eu gostaria.
Ele me recebeu em sua casa, no Morumbi. Me recordo somente de que era uma sala bem decorada, sóbria e com poucos móveis. Confesso que achei o ambiente um pouco frio, como também me pareceram frias, de início, as declarações de João Marcello sobre sua mãe cantora. Ele falava de Elis Regina com um distanciamento que eu não conseguia identificar se era prudência ou uma maneira de manter a saudade sob controle.
Em nenhum momento da entrevista, que foi bem longa, ele empregou a palavra mãe. Ele se referia a Elis como se fosse um fã um pouco mais íntimo. Me lembro da Elis fazendo isso, me lembro da Elis falando aquilo, me lembro da Elis cozinhando... Suas frases eram sempre assim, cotidianas, mas estranhamente calculadas. Contou de um músico da banda da cantora que estava enfrentando sérios problemas financeiros, com risco de perder a casa em que morava. Elis, no relato de João Marcello, saiu de casa uma manhã sem avisar ninguém de onde iria. Ao voltar, algumas horas mais tarde, procurou o músico e disse: fique tranqüilo, todas as suas dívidas foram quitadas. Elis era assim, contou ele, fazia o que achava que tinha de fazer sem avisar ninguém. Enquanto eu anotava suas declarações, lembrava que nem eu e nem ninguém que eu conhecia se referia à mãe pelo nome, e não como minha mãe. Talvez porque nem eu e ninguém que eu conhecia fôssemos filhos da Elis Regina. Vai saber.
Na hora de ir embora, a surpresa. Quando eu já tinha guardado a caneta e o bloco de anotações, João Marcello quis saber se ele podia me fazer uma pergunta. “Claro”, eu respondi. E então a coisa veio: “Sérgio”, ele falou, desta vez com a voz mais acalorada, “você gostava da minha mãe?” Respondi que sim. Ele prosseguiu: “Minha mãe era boa, não era?” Então eu disse que fazia parte daquele time para quem a mãe dele havia sido a melhor de todas. Ele sorriu desarmado, me abraçou e se despediu desejando que eu escrevesse uma matéria inspirada.
quarta-feira, janeiro 13, 2010
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5 comentários:
Oi, Sergio. Sabe que, no começo, eu estranhava esse jeito do João Marcelo? Essa terceirização da mãe, especialmente pra nós que tínhamos mães anônimas que não cantavam nem Parabéns no nosso aniversário, porque desafinavam... Mas um dia eu assisti ao extra daquela caixa de DVDs da Elis. E num deles, o JMB fala uma coisa forte: "Minha mãe morreu cedo demais. A Elis morreu na hora certa, virou mito". Acho que a chave tá aí.
Só não garanto que a Elis, enquanto sogra, aprovasse a atual nora.
Oi, Mário, eu não conhecia esta entrevista dele. Realmente faz muito sentido. Por falar em nora, o romance continua? Nunca mais ouvi falar nada a respeito...
Então... Na Caras, diz que eles estão pensando até em filhos.
Minha família não gosta muito da Elis (embora eu adore). Meu tio tinha uma casa de show e a contratou. Ela foi, muito bêbada, carregando o João Marcelo embaixo do braço. Elis deu um escândalo, quebrou o camarim, passou mal e foi levada para o hospital. Não teve show e meu tio faliu por isso. Ele sempre contava que o menininho era calado e praticamente só chorava. Ele deve ter passado poucas e boas com a mãe. Ainda bem que a minha está em casa, anônima e obscura, me esperando com um café e um sorriso nos lábios.
Nossa, Lara, que história! Caramba. Bom, só posso dizer que minha mãe não canta nada também. beijão.
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