quarta-feira, janeiro 20, 2010

Os três porquinhos

CONSIDERAÇÃO UM: Nos dois meios que frequento com mais assiduidade, o jornalismo e o teatro, nunca conheci ninguém que tivesse conseguido emprego por meio de favores sexuais. É sério. Fofocas sempre houve, mas eu nunca soube de ninguém, comprovadamente, que tenha obtido trabalho nas redações ou papel em alguma peça por ter dormido com um editor ou um diretor. No ano passado, dei uma palestra para jovens atores em uma cidade do interior. No meio de tantas perguntas sobre vocação e talento, alguém levantou o braço para saber se no teatro rolava mesmo o teste do sofá. Risos na plateia. Respondi na palestra o mesmo que escrevi nas duas linhas iniciais deste texto: se há, eu desconheço. É provável que haja, porque tanta lenda sobre este tema talvez tenha algum fundo de verdade. Mas, como eu nunca vi, nunca fiz e não conheço ninguém que efetivamente tenha feito, prefiro continuar acreditando no talento, na dedicação e no empenho pessoal. E eis que então a gente sai de casa, numa noite calorenta e desconfortável, para ver a estreia de uma peça badalada. E fica constrangido ao ver em cena alguém tão ruim, mas tão ruim que deveria ser preso por exercício ilegal da profissão de ator. A gente volta para casa, demora para dormir como sempre, pede licença para o preconceito e vocifera no quarto escuro: porra, ali rolou cama, não é possível!

CONSIDERAÇÃO DOIS: Vejo uma pesquisa que aponta que, se pudessem, 55% dos moradores de São Paulo deixariam a cidade. Sei que São Paulo é uma cidade difícil, mas não me vejo morando em outro local do País. Eu fugiria do Rio de Janeiro e de Florianópolis como um camundongo foge de um gato faminto. Por razões que eu próprio desconheço, não me vejo morando numa cidade de praia. Eu até gosto de praia. Mas, para mim, o melhor dia da praia sempre foi o dia de voltar para São Paulo, sentir um pouco de frio (claro que esta semana não conta), tomar água sem medo de pegar diarreia e comer paõzinho francês que tenha sido feito no mesmo dia. Depois de ler a pesquisa, sem querer ser arrogante e prepotente, descubro um jeito fácil de melhorar nossa cidade: se quem quisesse ir embora realmente fosse atrás do seu sonho de viver na praia ou no interior, São Paulo seria um paraíso para os 45% que resolvessem ficar por aqui. Eu estaria entre eles.

CONSIDERAÇÃO TRÊS: Sei que pode parecer cruel, mas já estou parando de ler as notícias sobre o terremoto do Haiti. Nos primeiros dias, li praticamente tudo que os jornais e revistas publicaram a respeito. Cheguei a ficar em casa, comovido, lágrimas nos olhos, ao presenciar o gigantesco sofrimento vivido por aquela população já tão historicamente castigada. Mas depois os nossos olhos, cansados de escombros, dor e miséria, começam a procurar paisagens mais amenas. É crueldade? Sim. É indiferença diante da dor humana? Sim. Mas, como eu já escrevi neste mesmo espaço há alguns meses, penso que o fastio é um mal dos nossos tempos. Parece não haver alegria ou dor no mundo que segure nossa atenção por mais de uma semana. As coisas podem ainda estar muito quentes, que nosso desejo é virar a página e ver qual é a próxima atração. É bem provável que todos nós tenhamos nos transformado em uma sociedade de avestruzes: chega uma hora que a gente quer por a cabeça no buraco e não ver mais nada. Ou, na melhor das hipóteses, enfia a cabeça no buraco em busca de uma cena mais bonita. Nem sempre encontra, mas a tentativa continua válida.

4 comentários:

Lucas disse...

Você viu Play? Caso não, dá uma dica da peça que viu...

Abraços.

Só no blog disse...

Hahaha, não vale fazer isso! Abração!

Mário Viana disse...

Coragem, coragem... É preciso coragem pra assumir certas coisas... Legal mesmo.

Anita disse...

Sobre a consideracao dois: e' muito facil dizer "Ah, se eu pudesse deixaria a cidade/o emprego/o marido/a escola...". Muito facil, viu ? E' o mesmo lance de dizer "Um dia eu farei tal coisa". Pode procurar no calendario: "um dia" nao existe. Porque que esse pessoal nao pega uma data especifica pra deixar Sumpablo ? Ate la vao se preparando pra partir...