Conheço algumas pessoas obcecadas por tecnologia, outras por dieta, algumas poucas por informação e outras tantas por compras. Tento pensar nas minhas obsessões e percebo que não há nada, ao menos nos últimos meses, que me ocupe tanto a atenção quanto a passagem do tempo. Não sei se isso chega a ser exatamente uma obsessão, mas o certo é que tenho buscado por este assunto nos livros, nos filmes e principalmente nas conversas. A passagem do tempo, ao menos na forma como a venho encarando, não tem a ver necessariamente com agum processo de envelhecimento – penso mais sobre o efeito sutil que o acúmulo de anos e sensações exerce sobre nossa maneira de enxergar o mundo e a nós mesmos.
Há algumas semanas – e já escrevi sobre isso aqui – eu tive a oportunidade de entrevistar a Fernanda Montenegro a propósito de seus 80 anos, completados agora em outubro. Na última quinta-feira, conversei com a atriz Christiane Torloni, que está em cartaz na cidade com a peça A Loba de Ray Ban. O texto é a versão feminina do espetáculo O Lobo de Ray Ban, que a própria Torloni fez em 1987, quando tinha 30 anos. Ela usou grande parte da entrevista para falar sobre estes dois momentos de sua vida, aos 30 e agora aos 52 anos.
Os 30, segundo ela, trouxeram, além da consolidação profissional, uma certa calma que até aquele momento ela dizia desconhecer. Como as coisas na vida parecem estar muito interligadas, a calma foi necessária para que ela pudesse investir objetivamente na carreira. “Foi o período em que eu comecei a me sentir realmente uma mulher, liberta de qualquer resquício herdado da adolescência”, ela disse.
E então ela chega aos 52 anos e diz que é preciso ter muita coragem para entrar nesta idade, "pois você se vê obrigada a abandonar uma zona de conforto na qual você viveu até este momento". É como, segundo o raciocínio da atriz, se os 50 anos viessem acompanhados de alguma compensação pelas coisas bacanas que você fez e também pelas cobranças de tudo aquilo que deveria ter feito e deixou para trás. Daí a necessidade de muita coragem para dar os passos necessários e inevitáveis rumo ao meio século.
Fiquei pensando muito nesta palavra: coragem. Por coincidência, encontrei com um amigo mais jovem e muito mais safado que eu dois dias após a entrevista. Enquanto tomávamos um café, comentei com ele sobre estes depoimentos da atriz. Ao nosso lado, como se para ilustrar esta conversa, havia uma revista justamente com a Christiane Torloni na capa e em fotos sensuais nas páginas internas. Perguntei se ele encarava. Ele disse que sim, que ela era linda e ele a encararia sem problemas, “desde que se esquecesse que ela tem 52 anos”. Mais cruel, impossível. Naquela hora entendi o que ela quis dizer com “é preciso ter coragem para passar dos 50”. Senti que é algo que as pessoas não perdoam em você.
Na terça-feira, para alimentar um pouco mais minha obsessão com este assunto, leio na Folha de S. Paulo um colunista dizendo que nossa época só venera dois deuses: o da juventude e o da saúde. Se o colunista estiver certo, o ser humano deve ser muito masoquista mesmo, pois conseguiu encontrar dois deuses mais cruéis que o deus dos católicos. Os deuses da juventude e da saúde estão dispostos a nos abandonar a qualquer hora – e nos abandonarão no momento em que mais precisarmos deles. O da juventude, este então, começou a nos abandonar na hora exata em que nascemos, o que me faz crer que é muito injusto seguir com esta veneração para com qualquer um deles.
Chego ao final deste post sem nenhuma conclusão, a não ser a de que o tempo,
tenhamos ou não coragem, irá passar de qualquer maneira e o melhor que temos a fazer é encarar esta passagem com alguma leveza e também com alguma indulgência em relação aos planos que não conseguimos levar adiante. Até porque só existe uma maneira de a gente interromper a passagem do tempo, pelo menos para nós mesmos. E,sem nenhum julgamento moral, acho melhor a gente nem pensar nesta hipótese. Nossa guerra contra o tempo já nasceu como um jogo perdido, mas pode haver muita diversão durante as batalhas. Talvez coragem seja mesmo a palavra.
quarta-feira, novembro 04, 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
5 comentários:
Sergio, tvz seja por isso que a música q mais mexeu comigo ultimamente foi "Envelhecer", do Arnaldo Antunes. Vc ouviu? É um verdadeiro tratado sobre a passagem do tempo q surpreende a nós, que estamos caminhando dos 40 pros 50 (grupo do qual o Arnaldo faz parte). Numa época em q fazer 100 anos já não é mais manchete de página, há quem olhe os cinquentões como se fossem um arcabuz ou um tílburi.
E fala pro seu amigo safado que a Torloni, de biquini, sem aparato, dá de goleada em muita menininha. Eu vi, em Salvador, na Barraca do Loro, há 2 anos. A mulher é um espetáculo.
Lindo post... Está de Parabéns!!! Conseguiu compreender exatamente o q a Chris quiz passar a vc!!!
Dany e Mário, meus queridos, brigadão pela visita. Mário, eu ainda não ouvi esta música do Arnaldo Antunes, vou atrás dela rapidinho. beijão
Li uma entrevista da atriz Lilia Cabral (18/10 - na Folha de SP), onde ela diz:
"Quando você passa dos 50, sabe, começa a pensar que, não é que tenha que resolver os problemas, mas é mais curtir a vida do que propriamente enxergar os problemas."
Acho que essa visão dela cabe neste post e naquele anterior que você fez. É melhor curtir a vida e não pensar no tempo, já que ele inevitavelmente vai passar... senão periga os cabelos brancos aumentarem só nessa pré-ocupação!
Abç
P.S.: Também não conhecia essa música do Arnaldo. Fui atrás. Achei ótima!
Deuses cruéis...sádicos....são satânicos!!rsrsr..Eu q ainda não passei dos 30 já sinto a soberania deles no meu dia-a-dia!
Postar um comentário