PRIMEIRA BAFORADA
Às vésperas da entrada em vigor da lei antifumo, fui até a padaria e comprei um maço de Marlboro para os meus amigos. Não se trata de um protesto pessoal contra a lei, não. Acho a lei até muito bacana e pertinente. É apenas um mimo para os meus amigos, uma forma de dizer que na minha casa nada mudou. Os amigos que fumam continuarão sendo muito benvindos aqui em casa, onde terão sempre à disposição o cigarro, o isqueiro, um cinzeiro muito legal, presente de um amigo fumante, e cerveja gelada. Por aqui, nada mudou.
Confesso que fumaça de cigarro em lugares mais ou menos arejados é algo que nunca me incomodou. De verdade. Sei que podem dizer que se eu estou a fim de jogar meus pulmões no lixo isso é problema meu. Bom, na verdade é problema meu mesmo. O que eu quero dizer é que o cigarro nunca foi motivo para que eu me afastasse ou discriminasse alguém. Nunca fumei um único cigarro na vida e sei o quanto eles incomodam. Não costumo mais freqüentar casa noturna, em parte pela minha falta de paciência mesmo, mas em grande parte por causa da fumaça dos cigarros. Nestes ambientes, eles são abomináveis. Na última vez em que fui à Lôca, por exemplo, saí de lá depois de 15 minutos, com os olhos ardendo e dor de cabeça. Não devo voltar tão cedo. Porque se existe algo que parece não funcionar na Lôca é a obediência a qualquer norma.
Mas se alguém pede para fumar na minha casa, com as janelas abertas, ou no meu carro, também com os vidros abertos, jamais ouvirá um não de mim. Acho que a sociedade já anda repressora demais para que eu passe a engrossar este coro. Tudo bem que fumar ao lado de quem está comendo não é nada educado, e muito menos saudável. Mas meus amigos fumantes sabem disso e só acendem seus cigarros aqui em casa quando o rango – isso nos dias em que há rango – já terminou. O prazer deles de empunhar um cigarrinho numa mão e uma cervejinha ou um copo de uísque na outra me parece ser tão grande que eu jamais cortaria o barato deles. Eles são grandinhos, inteligentes e devem saber que fumar faz um mal do caralho. E eu não preciso lembrá-los disso, não aqui em casa, pelo menos.
E tem mais: podem me chamar de fresco, metido, babaca ou qualquer outra coisa parecida: mas entre jantar ao lado de alguém que fume e alguém que palita os dentes na minha frente, eu estou com o fumante e não abro. Cigarro pode matar, mas tem um charme danado. Os palitos não matam, mas viram o estômago de qualquer um.
FALEM BEM MAS FALEM DE MIM
Eu gostava mais dos tempos em que os críticos guardavam uma distância prudente dos artistas a quem deveriam criticar – ainda que houvesse fortes laços de amizade ligando os dois lados. Aprendi, ao lado de alguns grandes críticos que (infelizmente para a grande imprensa) foram ser mais felizes em outras áreas que esta distância, ainda que não obrigatória, se fazia necessária ao exercício da profissão. Era como se, ao se afastar do convívio diário e direto com os atores, o crítico também promovesse um distanciamento quase científico da obra a ser criticada. O resultado era um só: as críticas costumavam ser muito melhores do que são hoje. Hoje, se você quiser encontrar um crítico, basta ir até qualquer festa de atores. Eles estarão lá, felizes como se fossem um deles, integrados, extremamente benvindos e estranhamente cúmplices e participantes. No dia seguinte saberão retribuir tanta hospitalidade em seus espaços nos jornais e revistas. Antes havia crítica, hoje existe uma animada ação entre amigos. Quer que seu espetáculo seja bem falado? Não precisa caprichar no texto e na direção: basta começar a freqüentar festinhas. De um dia para outro, você será o maior sucesso da temporada. Só morro de pena do público, que além de não ser convidado para as festinhas, vai cair no conto do vigário na hora de deixar seu suado dinheirinho na bilheteria daquela peça, show ou filme tão bem recomendados. Mas, sejamos sinceros: quem liga para o público hoje em dia, né?
LEÃOZÃO
Fui ver ontem o documentário Coração Vagabundo, realizado durante algumas apresentações de Caetano Veloso em São Paulo, Nova York e no Japão. Saí muito mais emocionado do que imaginava. Uso a palavra emocionado e não surpreso porque, no caso de Caetano Veloso, não são exatamente surpresas o que ele nos reserva. Sabemos que de Caetano podemos esperar sempre por três coisas: belíssimas letras (em alguns casos precisaremos de muitos anos para entender a beleza contida ali), interpretações originais nas quais a personalidade exuberante do artista sempre é capaz de corrigir eventuais deficiências na voz ou no domínio do violão, e um gosto irrefreável pela polêmica, ainda que nem sempre a de alto nível. Dizer que o documentário traduz Caetano Veloso não seria correto, porque não é isso que ocorre. Coração Vagabundo mostra um artista afinado na profissão e no pensamento. E há uma coerência tão grande ao longo dos 90 minutos, uma unidade tão arrebatadora que talvez tenha sido até acidental: o que vemos de Caetano é sempre seu olhar estrangeiro diante de um mundo tão vasto de possibilidades. Caetano é um músico que conquistou o mundo, não há dúvidas: mas ele continua a ver este mundo com os olhos de um garoto que nasceu e viveu até os 18 anos em uma cidade pequena do interior baiano. Excluindo qualquer possibilidade pretensiosa de comparação, quem nasceu no interior deve saber do que estou falando. Os olhos dele trazem a curiosidade e o estranhamento que o sucesso e a idade não apagaram. E só isso já vale qualquer ingresso. Se alguém pretende ver o documentário, por favor, preste atenção em dois momentos: sua fala final sobre a velhice e seu desconforto diante de um doce japonês oferecido a ele em um templo budista. Ali não é o artista, não é o músico, não é o cara polêmico e nem o ególatra: é só um ser humano, a quem os anos já deixaram claro o sinal de sua visita, diante das mesmas dúvidas que machucam o meu coração, o seu, o nosso e o da humanidade inteira. E de vagabundo, estes corações não têm nada. Eles dão um duro danado para entender esta vida.
quinta-feira, agosto 06, 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
10 comentários:
Muito bom! Adorei esse texto sobre a Lei Anti Fumo. Genial!!!!
Brigadão, Léo. Abraço
Serginho, cansei de elogiar seus textos... rs... A relação crítico e criticado é complicada... mas depois que eu soube de um cara que ficou sócio da própria analista numa empresa (e depois levou um golpe dela!), acho amizade com crítico supernormal. Mais ou menos como ser 'o outro' e ficar amigo do 'titular'...
Ah, ainda bem que hoje em dia tudo isso está na moda, né, Mário? beijão
Sabe SErgio, na minha casa meus amigos também continuam fumando como antes. O problema é que educação cabe em qualquer parte. Outro dia um sujeito ficou atirano a fumaça no meu rosto num bar. Há limite pra tudo. Nunca fumei, mas nuna me incomodei com quem fuma. Há coisas que só se aprende com a repressão, infelizmente.Acho a lei boa, sim. Trabalhei na sua tramitação na Assembléia. Nós, brasileiros, estamos sempre aplaudindo medidas do primeiro mundo, mas quando é no nosso território, a gente põe a boca no mundo. Ficaria satisfeita se as pessoas direcionassem suas energias para protestar pela ética na política e saíssem as ruas para exigir a reforma política,uma pena. Obrigado pela atenção.Rachel
Rachel, ninguém em sã consciência acha a lei errada. O problema é a truculência com que ela é aplicada. Basta ver/ouvir os relatos. As pessoas são fumantes, não são criminosas. Criminosos sâo os polìticos que andam aprontando o que nòs lemos diariamente nos jornais.
Hum... não acho que haja nada no mundo que só se aprende com repressão! Acho esse pensamento perigoso.
Mas nem vim aqui falar sobre isso. Queria mesmo era conversar sobre essa relação crítico-criticado... sobre o ato ou atividade de colocar uma obra em crise para que os artistas olhem para sua criação com mais - ou com menos! - consciência, lucidez... e olhem de novo, e utra vez...
Sérgio, acho que há muitas relações possíveis, assim como na própria ciência (que você coloca como exemplo), em que a análise distanciada é apenas uma das opções de abordagem de um objeto, né? Concordo que a amizade geralmente dificulta o trabalho de colocar o amigo em crise, mas pode construir textos críticos incríveis dependendo da intimidade que se establece. É complexo. Enfim. Só te peço para considerar que não há apenas festas ou distanciamento completo.
Beijos,
Juli =)
É Sérgio querido, eu sou do interior e entendo bem o que você diz de Caetano. Temos este privilégio de sermos sempre estrangeiros. Eu por exemplo faço questão disto.
você é muito fofo! saudades.
Cléo, querida. Você sim que é uma fofinha. Beijão e saudade também...
Janaína; eu acho que a gente, que não nasceu aqui (como a Cléo aí em cima) não pode perder nunca este olhar de estrangeiro. É a nossa marca, né?
beijão
Postar um comentário