Tenho ouvido falar com muita frequência em uma tal crise do macho. Nas últimas semanas, li com interesse várias matérias publicadas sobre este assunto. Soube até, pelos jornais, que esta crise serviu de tema para um concorrido debate promovido por intelectuais de respeito. Talvez eu esteja com a sensibilidade um pouco atrofiada, mas confesso que, mesmo depois de tanta leitura, não consegui identificar crise alguma que não fosse a financeira. Em primeiro lugar, acho que o termo macho já soa defasado e até um pouco grosseiro. Quando inverto os padrões, percebo que nem meus amigos mais safados se referem à mulher como fêmea. Sendo assim, macho também não pega muito bem. Macho em crise, então, é algo que eu realmente não tenho visto.
Tenho muitos amigos com as mais variadas orientações sexuais: alguns são gays, outros héteros, outros se assumem bissexuais, há os casados, os solteiros, os que dão muita importância ao sexo, os que sublimam um pouco este tema, os que moram juntos e gostam, os que moram juntos e não gostam tanto, os que não querem morar junto de jeito nenhum – enfim, uma amostragem que faria a alegria de qualquer instituto de pesquisa. Pois bem, quando converso com eles, esta tal crise do macho nunca entrou no cardápio. Será que eles não sabem que a gente deveria estar em crise? E olha que a maioria deles é bem antenadinha, viu. Se a crise do macho estivesse na moda, garanto que pelo menos a metade deles já estaria surtando só para não perder este hype.
Leio nas matérias que o macho quer carinho. Mas só os machos? Que o macho quer ter os seus sonhos e desejos respeitados. Sim, eles e a torcida do Corinthians antes e depois da contratação do Ronaldo Fenômeno. Que o macho quer chegar em casa e encontrar alguém que lhe dê atenção. Que o macho sente-se frustrado por não conseguir atender suas demandas financeiras e daqueles que o cercam ou dele dependem. Que o macho isso, que o macho aquilo, que o macho não consegue ser o super homem que ele foi educado para ser.
Em primeiro lugar, é bom que se tenha em mente que o super homem da nossa geração, o belo e talentoso Christopher Reeve, caiu do cavalo e morreu. Nossa geração viu o nosso super homem definhar em uma cadeira de rodas. Se existe morte mais representativa de que é muito perigoso ser o super homem nos dias de hoje eu desconheço. Como também desconheço qualquer amigo, em qualquer fase da vida, que tenha me dito, com todas as letras, que foi criado para ser um super homem e fracassou. Eu e meus amigos podemos ser divididos em dois grandes grupos: os que foram criados para ser médicos, engenheiros, dentistas e advogados – e conseguiram; e os que foram criados para ser médicos, dentistas, engenheiros e advogados e não conseguiram. Não conheço ninguém que tenha sido criado para ser super homem. No máximo, astronauta. Ou seja, nenhum de nós, nos últimos 50 anos, acredito eu, fomos criados para voar sozinhos.
Estamos em crise, sim. Mas não esta crise do macho, que me parece tão preconceituosa e limitadora. Estamos em crise porque somos gente, e não por que percebemos, a contragosto, que nossas mulheres se viram obrigadas a trabalhar fora para ajudar no sustento da casa – coisa que nós, homens, não conseguimos fazer mais sozinhos. Quando meu irmão nasceu, e ele é mais velho que eu, minha mãe já trabalhava fora. E estamos falando da década de 60, antes do feminismo, de Sartre, de Simone de Beauvoir e de Woodstock. E não me lembro de ver meu pai entristecido pela casa ao ver sua querida esposa partir para o trabalho. Que macho é este que entraria em crise ao ver sua companheira levando adiante uma carreira? Que macho é este, só recentemente descoberto, que precisa de carinho e atenção? Eu acho que até mesmo o homem primitivo, quando arrastava sua parceira pelos cabelos para algum canto escuro das cavernas, devia-lhe dizer: pô, benzinho, acabei de enfrentar um mamute. Será que eu não mereço um beijinho, hein, hein???
Nossa carência é ancestral, nossa incapacidade de atender a todas as expectativas é atávica, nosso desejo não tem fim, em nossa ansiedade nem Lexotan dá jeito, nosso medo de morrer sem deixar uma marca de que um dia passamos por aqui é absoluto, nossa insegurança diante de qualquer decisão é constante, nossa busca por um amor que nos complete constitui um trabalho para uma vida inteira, e acima de tudo, nossa dúvida de que jamais chegaremos lá nunca vai nos abandonar. Que bom se tudo isso fosse somente a crise do macho. Eu iria para o Marrocos, cortaria o pingolim e voltaria como uma mulher feliz e realizada. Quem quer apostar que, ainda que a gente corte o pingolim, o buraco ainda vai continuar sendo mais embaixo?
segunda-feira, junho 08, 2009
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14 comentários:
Sergio, foi na mosca. Lembro de, criança, ouvir feministas na TV falando q a mulher tnha direito a trabalhar fora. Eu não via razão pro bafafá: minhas tias trabalhavam fora e cuidavam de 6 filhos... Tudo bem, nenhuma delas tinha o corpinho da Cristiane Torloni, mas enfim...
Se pegar a onda de cortar o pipiu pra driblar a crise do macho a próxima moda será a crise da operada. Haja saco (desculpe, é a força da expressão)
Ih! Será que foi isso que levou o Kung Fu?
que bom que tem alguém lúcido pra falar umas verdades de vez em quando.
é tanta besteira que a gente ouve e lê por aí, falada e escrita por quem se arroga o direito de falar sobre o que não sabe de quem não conhece...
bj
Mário e Fátima, meus queridos. Muito obrigado pela visita. É sempre bom ter vocês por aqui. Mário, eu também venho de uma família em que as mulheres sempre trabalharam... e seus homens, pelo que me lembro, sempre foram gratos por isso!
A (cof,cof,cof) crise do (cof,cof,cof) macho não ocorre so no Brasil e nao so porque a mulherada esta saindo pra trabalhar fora não ! Aqui na Holanda eles tb estão em crise: muitas mulheres já estão ganhando bem mais que os maridos, traindo mais, pedindo para eles ficarem full-time em casa com os filhos para que elas possam se ocupar da carreira, e muitas optando por uma inseminação artificial e formar família ao invés de esperar pelo pai ideal (que pode não aparecer). Os homens holandeses são tao pouco comunicativos e tímidos que resolvem super mal um divorcio, tem depre, suicidio altíssimo. E agora desde 1996 ha casos frequentes de "familicide": homens recém divorciados matam os filhos, animais de estimação e as vezes a sogra e em seguida se matam para deixar a ex completamente sozinha, louca e com dor pro resto da vida. Entre 200 e 2006 25 casos ja aconteceram. O ultimo ocorreu dois dias atras em Almere. Os pesquisadores, psicólogos e a mídia estão de cabelo em pe. Ha um grande tabu, no mundo todo, em discutir os efeitos da emancipação feminina na psique masculina
muito boa sua análise.vc tocou na ferida,nossa geração trabalha fora,é mais independente,no entanto somos mais angustiadas.tem a ver com a cultura,certamente!no mais já sou habitué do seu blog.obrigada por fazer minhas noites agradaveis,depois de uma leitura prazerosa como essa que acabei de fazer, a noite ficara bem mais amena.
Ôpa, Tetê, que ótimo seu comentário. Muito obrigado. É um tremendo incentivo pra mim. Brigadão. Sérgio
Gente, a história do familicídio na Holanda é foda. Aqui tem com quem perde emprego, já vi acontecer...mas assim...
A gente anda numa tremenda sintonia, Sérgio! Estou ensaiando DORES DE AMORES, do Leo Lama, e a questão é justamente essa da crise do macho!
Que ótimo! Finalmente vou poder ver Dores de Amores. Estreia logo!!!
cara, adorei o texto. engraçado que é uma sintonia múltipla. porque meu romance novo, que um dia, em breve, vai se desimobilizar, também trata da crise do macho. very interessante. abração. guza
Familicidio e' foda total ! Sergio, desculpa invadir teus comentarios. Perdoa, vai. Seus textos sao uma delicia. So que os homens tao meio perdidinhos ne ? E as mulheres estao tao gulosas...
Anita, querida. Este espaço é seu. "invada" o quanto quiser, é um prazer. E adorei saber que seus comentários estão gerando outros comentários, aqui e até em alguns e-mails que recebi. Um beijão pra você.
Preciso relatar um caso que vi hoje numa chocolateria. Um casal pediu umas frutas com cobertura de chocolate. Chega o doce, numa taça, e um só garfo. Sem pensar, o homem pega o garfo e a mulher vira para a atendente: "Me vê mais um garfinho?". Ele começa a comer, alheio à parceira, à chocolateria, ao tempo. Engraçado. Exatamente o que escreveu Anita, aqui em cima: o homem tão perdidinho e a mulher tão gulosa, atenta, viva...
Sinceramente, ainda não entendi 0,0001% deste debate todo. Crise ou não? Mudança? Indico um blog ótimo sobre relacionamentos... E este texto aqui, em especial. Acho muito bom! E super pertinente.
http://nao2nao1.com.br/homem-de-respeito-nem-principe-sensivel-nem-ogro-machao/
Um grande beijo!
Vim lá do Missosso, o "Mirada Anterior". A-do-rei demais da conta esse texto. Vou linkar você, Sérgio!
Respira fundo e relaxa...
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