quinta-feira, maio 14, 2009

No fim de tudo, a beleza

Um amigo muito querido, citando um notório psicanalista, me disse há algum tempo que sempre que estivermos em dúvida diante de algo novo, seja um projeto, uma perspectiva de emprego, uma situação inusitada, um convite ou até mesmo um espetáculo, devemos nos deixar guiar pela beleza. Segundo ele, a presença da beleza seria o principal indicativo de que esta novidade (talvez nem precise ser uma novidade) merece o nosso crédito. Acredito que ele não se referia à beleza como um conceito estético, pois nem sempre é pelo olhar que o belo se nos revela. Penso que ele falava da beleza como uma coisa mais abstrata, talvez algo ligado ao prazer, não sei ao certo. Provavelmente a beleza como um ensinamento. O que eu sei é que, embora aparentemente simples, ou talvez em função mesmo desta simplicidade, esta é uma daquelas lições que podem nos acompanhar para sempre.

Desde aquela nossa conversa, que gerou inúmeras outras, eu confesso que passei a procurar sempre pela beleza nos momentos de dúvida. Por algum tipo de beleza, mesmo a beleza que pode se esconder atrás do erro ou do descaminho. E, embora eu seja novato nesta busca, posso assegurar que não se trata de tarefa fácil. Encontrar a beleza num filme, na voz humana gravada em alguma canção de qualidade, nas páginas de um livro, nas tintas de um quadro, no sorriso de uma criança, na imagem de uma mulher amamentando, tudo isso chega a ser tranqüilo diante da dificuldade de detectar a beleza quando somos obrigados a dizer ou a ouvir um não, quando temos de nos despedir de algo que nos é caro, quando a vida nos surpreende com o inesperado, quando as nossas esperanças se tornam frágeis, quando a única voz que ouvimos é a nossa própria, quando a noite demora a ir embora, quando somos obrigados a encontrar algum tipo de força em lugares em que ela aparentemente não se encontra, quando os nossos pensamentos insistem em voltar para a cena do crime, seja lá qual for o crime, enfim, quando estamos determinados a ir para algum lugar aonde ninguém pode nos alcançar.

É nestas horas que a busca pela beleza se configura num grande desafio. Porque tudo isso descrito ali em cima em algum momento vai nos assaltar, ou hoje ou daqui a pouco. Encontrar a beleza, creio eu, talvez seja encontrar um significado e uma razão para o que nos contraria, talvez seja se agarrar à certeza de que cada uma das experiências que a princípio não se revelam belas, pode nos tornar um pouco mais belos com a superação. Eu particularmente não gosto de rosas, mas agora vejo que é bem provável que a beleza das rosas esteja no lugar que ela ocupa no mundo: equilibrada em cima de galhos finos, ressecados e cobertos de espinhos.

O mais importante para mim eu percebi, desde aquela conversa, não é o ato final de encontrar a beleza, mas a manutenção de sua busca, na esperança talvez vã de que em algum momento ela pode mesmo se revelar. E, mais importante ainda, é ter encontrado alguém com a delicadeza de me ensinar esta lição. Tão fácil, mas que eu passarei o resto da vida tentando exercitar.

5 comentários:

Tadzio Mattiolli disse...

OI SERGIO!!
SUAS PALAVRAS REFLETEM DIRETAMENTE NO MEU DIA A DIA.
VOCE É DUCARALHO E QUEM SABE UM DIA ME AUTORIZE TEATRALIZAR UM DE SEUS TEXTOS.
SOU DE SJRIOPRETO.
ABCS E +

Só no blog disse...

Olá, Tadzio, fico feliz que você tenha curtido o texto. Apareça sempre que puder, é um prazer. Vamos nos falando, então. Grande abraço.
sérgio

Mário Viana disse...

Beleza de crônica, Serginho. Sem trocadilho. Você escreveu um texto tão solar, um cafuné em dia tão chuvoso...

Só no blog disse...

Mário, querido. Muito obrigado. Vindo de você, que já está com um dos blogs mais bacanas do pedaço, é um incentivo e tanto. beijo grande.

Anônimo disse...

Engraçado, vi a beleza, neste relâmpago de leitura que fiz, como um espanto: de a gente se deixar se espantar, parar e olhar e... talvez porque a beleza de uma cena, de um gesto, de uma paisagem etc me traga esta suspensão, este encontro com algo tão frágil e tão forte ao mesmo tempo; frágil porque nascente, inesperado, inteiramente aberto ao viver presente; saio daqui levando este fiapo de ideia e de sensação: em tempos de dúvidas, que a fragilidade me acompanhe, esta me quebra a rotina automatizante, maleabilizando o olhar que trago dentro. Bom, amanhã, ou daqui a dez mintutos, vou pensar em outra coisa, ou seja, vou manter minha busca pela beleza...
obrigada pelo golinho de afeto,
Valéria