segunda-feira, maio 04, 2009

A falta do cinza

Passei o fim de semana do feriado em uma cidadezinha rodeada de montanhas na divisa entre São Paulo e Minas Gerais. Um lugar sem prédios altos, sem ruas contramão e com no máximo dois ou três faróis de trânsito. Um lugar em que o café da manhã tem broas de milho e queijos caseiros, em que é possível estacionar nos dois lados das ruas, não há flanelinhas e, pelo que informam os moradores locais, nem ladrões. É impressionante como estes detalhes passam a ser tão valiosos para quem vive em São Paulo – são lugares em que nossa guarda se baixa naturalmente e até nossa respiração parece se tornar mais alongada. No sábado à noite, enquanto caminhávamos pelas ruas quase desertas do centro, perguntei à amiga que me acompanhava quantas pessoas ela acreditava viverem ali? Umas trinta mil, ela me respondeu. Eu fui um pouco mais exagerado e chutei 50 mil. Na manhã de domingo o dono da pousada esclareceu nossa dúvida: os moradores não passavam de dez mil.

Não sei se é algo que ocorre só comigo ou com todo mundo que visita uma cidade pequena: depois desta tranqüilidade inicial, propiciada pela simpatia e gentileza dos moradores, pelo relógio que parece andar mais devagar , pelo olhar que alcança o horizonte e pela falta de sinal no celular, o que desponta é uma certa melancolia. É uma sensação confusa de quem, de certo modo, aprecia aquele ritmo de vida aparentemente mais humano mas que não quer, por nada deste mundo, fazer parte dele. Eu olhava para os lados, para aquela profusão de escadarias e casarios coloridos, para aqueles becos mal iluminados, para as torres de tantas igrejas e internamente me perguntava onde estavam os cinemas, os teatros, as farmácias e restaurantes abertos 24 horas, os carros da polícia, os caixas eletrônicos, as buzinas, o congestionamento das madrugadas e até o pânico de estar sendo seguido. Eu me perguntava, em resumo, onde estava tudo aquilo que costuma me dar medo e prazer aqui em São Paulo.

E então naquele momento surgiu uma idéia que talvez se revele extremamente preconceituosa, mas o simples fato de ela ter surgido me obriga a torná-la pública aqui: será que é possível ser feliz quando se tem aparentemente apenas uma pracinha ao redor da qual caminhar e algumas barraquinhas de comida na frente da igreja matriz? Quando todos se conhecem e se chamam pelo nome? Quando chegar em casa não exige mais do que cruzar dois quarteirões? Ao mesmo tempo em que tudo me parecia tão bucólico e tão tranquilo, algo em mim dizia que minha paciência se esgotaria na manhã seguinte e eu teria urgência de encher meus pulmões novamente com ar poluído. O que me assusta, de verdade, nesta rotina das cidadezinhas é a ausência do acaso. Tenho a impressão, provavelmente errônea, que o dia seguinte será muito parecido ao dia de hoje e que todos os dias que estão por vir talvez sejam insuportavelmente semelhantes. Não sei se os nossos aqui são tão diferentes assim, mas acredito que existem condições para que o sejam.

Tudo o que eu não queria aqui era escrever um post esnobe, com aquele tom afetado de quem fala como se vivesse na 5ª. Avenida em Nova York. Meus pais moram em Jundiaí, que não chega a ser uma cidade exatamente pequena, mas também está longe de ter os atrativos de uma cidade grande: eles não sairiam de lá por dinheiro nenhum do mundo. Odeiam São Paulo e não entendem como alguém com o juízo perfeito consegue viver aqui. Na cabeça deles, eu estou aqui dando um tempo e logo logo volto para lá – ainda que este tempo já se prolongue por duas décadas. Tudo do que eles precisam, costumam dizer, está logo ali, no bairro em que vivem ou no centro, onde se é possível chegar a pé.

Talvez a angústia deles em relação a São Paulo e minha angústia em relação às cidadezinhas compartilhem de uma pergunta comum: o que é necessário, afinal, para sermos felizes onde vivemos?

7 comentários:

Isabella disse...

é. eu te entendo.

é uma delícia. mas e tudo que temos que produzir? e os cursos que quero fazer? e o acaso que pode nos mudar o rumo? entendo. não se pode ter tudo.

meus avós moram numa cidadezinha assim: Vargem, na divisa de sp e mg, cercada de montanhas, 8 mil habitantes, nada além da praça, da igreja e da padaria. a diferença é que, por lá, nem o farol de trânsito chegou ainda... imagine...


(mas que eu amo - e preciso sempre - ir pra lá... ah... e como!)

Mário Viana disse...

Eu tremo só de pensar na hipótese de viver num lugar onde o anonimato inexista... É bonitinho, é lindo, é bucólico, mas os adjetivos valem por um fim de semana - com livro na bagagem e alguma companhia.
O que mais me impressiona, Sergio, é que mesmo em SP a gente consegue 'montar' uma aldeiazinha: a padaria da esquina, o menino da banca de jornal, o frentista do posto, o balconista da Armani, o garçom do Fasano... rs. bjk.

Anônimo disse...

oi lindo, td bem??? ontem, pela TV, vi as imagens do vendaval, vi o apuro que passaram dois lavadores de janelas e, claro, me lembrei de você, do seu texto lindo... deu uma saudade... beijocas, erika riedel

Só no blog disse...

Erika, querida. Eu também me lembrei da peça, juro. Quase liguei pro Claudinho. Mas aquilo foi um pavor, né? Tadinho dos limpadores, os meus não sofreram tanto... Saudades de você também...beijo grande.

Só no blog disse...

Mário, querido. Eu penso a mesma coisa: a gente vive numa cidade que tem 400 restaurantes e eu só frequento três. Mas você está melhor do que eu, pois não conheço ninguém que trabalhe no Armani. Preciso ampliar meu círculo com urgência. beijão

tete.bezerra disse...

Morei 21 anos numa cidadezinha interiorana,hoje tou com 50.Confesso que o que faz a diferença é ser a cidade que vc cresceu,foi adolescente.lá é onde estão as lembranças mais importantes da sua vida,suas referencias afetivas.No mais onde a gente vai leva nossa cabeça,o ambiente externo faz pouca diferença.

Só no blog disse...

Oi, Tetê, muito obrigado pela visita e pelo comentário. Abraço grande, sérgio