Outro dia me flagrei em uma banca de jornal bisbilhotando um livrinho de bolso chamado A Arte da Guerra, do chinês Sun Tzu, um manual sobre estratégias de combate que teria sido escrito bem antes de Cristo. Não sei por qual motivo, mas me lembro que, há uns dois ou três anos, vários amigos atores falavam muito deste livro que, pesquisando depois, descobri que teria sido adotado por Napoleão Bonaparte e Hitler em suas campanhas – ainda que eu não saiba se esta informação tenha alguma relevância. Li uns dois ou três conselhos apenas e já me dei por satisfeito, pois sinceramente não me vejo entrincheirado à espera de enfiar uma baioneta na barriga do inimigo, por mais metafórica que esta imagem possa ser.
Deixei a banca pensando não na guerra, que acho hiperbólica demais, mas nas brigas cotidianas. Eu sempre achei que saber brigar também é uma arte, mas não me lembro de ter visto algum manual que nos ensine a entrar – e principalmente a sair – de uma briga com pose de herói. E não estou falando dos combates físicos, destes que podem terminar em sangue e tiros. Estou falando dos acalorados embates de ideias, que no máximo resultam em socos na mesa ou e-mails malcriados. Pensei nisso porque eu sempre fui um verdadeiro fiasco nas brigas. Passei a infância toda muito longe da imagem do valentão do bairro e confesso que não me lembro de quando foi a última vez em que ergui a voz contra alguém.
Claro que isso não faz de mim um gentleman, ou um cara diplomático e ponderado. Talvez eu até seja um pouco, mas a questão não é esta: a questão é que eu não sei mesmo brigar. Porque a briga, na minha opinião, não se limita necessariamente ao instante em que ela ocorre – essencial é saber como agir depois dela. É muito comum ouvirmos que alguém é estourado, que reclama alto se não gosta de alguma coisa mas que, cinco minutos depois, já está tudo bem. Já tive chefes assim e acredito que muita gente também teve. E dominar este tipo de conduta, penso eu, é quase uma arte: saber elevar por um instante a temperatura de uma discussão e, no momento seguinte, tenha-se ou não chegado a um consenso, dar um tapinha nas costas do adversário e convidá-lo para um café. Nunca consegui esta proeza na vida, por isso faço o possível para evitar as brigas: sei que vou precisar de muito tempo para voltar ao normal, esquecer as mágoas que me causaram e aquelas que eu causei. E estas, para mim, são as piores.
Nas poucas vezes em que briguei, eu acredito que estava com a razão em algumas situações. Mas minha consciência pesava tanto, justamente por ter cedido à tentação de brigar, que eu costumava procurar a pessoa com quem havia brigado e me desculpar até do que eu não tinha feito. Talvez seja um sinal de fraqueza, covardia até, mas eu nunca soube mesmo lidar bem com o day after das brigas: eu sempre achei que a situação poderia ter sido evitada. Se não pelo outro, ao menos por mim. E, com o tempo, descobri uma coisa: para mim, hoje, é preferível relevar algumas opiniões com as quais não concordo, a ter de sair por aí batendo boca com deus e o mundo. Isso não quer dizer que eu não lute para fazer valer minhas opiniões também, mas, ao contrário do que deve ensinar Sun Tzu em sua milenar Arte da Guerra, estou me tornando um perito em bater em retirada diante da ameaça do primeiro tiro. Minha aversão por brigas é tamanha e o tempo que levo para digeri-las é tão grande que, vez ou outra, tendo a concordar que o sol é quadrado só para poupar eventuais mágoas. Não abro mão de minhas convicções, é claro, mas elas não saem mais da minha boca aos berros e com as veias do pescoço infladas. Quem quiser que grite à vontade, pois eu, a cada dia, estou me tornando mais amigo do sussurro.
Eu acho que este meu método anti-Sun Tzu só tem uma contra-indicação, pois meus estudos militares ainda não estão devidamente concluídos: eu tenho medo de que, ao evitar, ou mesmo fugir, do inimigo externo, a gente acabe criando um invencível inimigo interno. E então, todas aquelas batalhas que deveríamos travar com os outros, serão transferidas para a nossa própria alma, e passaremos anos e anos nos combatendo, nos ferindo e nos sangrando, com o mais terrível dos agravantes: quando nós mesmos somos os autores das nossas mágoas, normalmente esquecemos de nos pedir perdão no dia seguinte.
segunda-feira, maio 11, 2009
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6 comentários:
Sergio, vc anda espionando minhas sessões de análise?
Outro dia fiquei lembrando do Poema em Linha Reta, do Fernando Pessoa... Ele anda cada vez mais adequado pra mim...
bjs
Que nada, querido. A gente já está na era de Aquário... Só tenho medo de ficar parecido com um dos personagens do Marcelo Mansfield....
Um "uau" par o ultimo parágrafo.
não, serginho. você não vai ficar parecido com o seu lili. mas eu também assino embaixo desse seu texto. minha inabilidade para brigar cresce dia a dia. o problema da vida é que ela não vem nem com garantia nem com um manual do usuário. beijão, querido. lindo e sábio texto. guza
Que bom, Guza, dois não-briguentos podem se entender cada vez melhor, né? beijão
Brigadão, Anita. Valeu sempre. beijão
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