Eu olho para este espaço e sinto que estou fraquejando na minha determinação de escrever ao menos duas vezes por semana. Gostaria de escrever mais, muito mais para ser sincero. Às vezes, falta tempo; em outras, inspiração. Costumo anotar ideias para desenvolver mais tarde aqui, tento guardar na cabeça alguns fatos do cotidiano, alguns pensamentos que passam correndo e eu tento aprisionar. Não bastasse o compromisso com o blog, inventei de entrar no twitter também, mas praticamente já desisti. Senti que tudo vai se transformando em um tipo de obrigação que eu não estou disposto a cumprir. Mais uma. Volto ao blog quando, mais do que a necessidade de atualização, o que eu sinto mesmo é um prazer imenso em teclar uma coisinha ou outra.
Nos últimos dias, talvez por influência da peça que estreou na semana passada e daquela que estreia no dia 19 de junho, eu ando pensando muito em produção. No ato de produzir, qualquer que seja o produto decorrente deste ato: uma peça, uma matéria, um comentário neste blog, um jantar para os amigos, uma panela de molho de tomate para ser congelado e usado depois, numa noite de fome e geladeira vazia; qualquer coisa a que podemos dar o nome de obra. E resolvi falar sobre produção porque acho que finalmente compreendi algo muito bonito e, acima de tudo, muito libertador: eu compreendi que as pessoas não precisam gostar do que eu faço para que eu possa me sentir bem e razoavelmente realizado. Aprendi que é fundamental tirar das nossas costas o peso de agradar a todos ou ao menos a aflição de esperar pela aprovação alheia.
Não é algo fácil de aprender e acredito que eu nem tenha assimilado isso totalmente, mas começar a trabalhar com esta idéia já torna o nosso caminhar muito mais leve e prazeroso. Se aceitarmos que nem todos precisam gostar do nosso trabalho, não nos sentiremos tão injustiçados com as críticas e a indiferença que assombram a vida de qualquer criador. E talvez venhamos a ter alguma noção de nossa real importância, do nosso real tamanho neste mundo. Já disse aqui, no comentário anterior, que tive o prazer de entrevistar a fabulosa Fernanda Montenegro na semana passada. Passei 40 minutos com ela, que aceitaria trocar facilmente por 40 semanas de dias mal vividos. Na metade da entrevista, ao falar sobre Deus, ela disse algo mais ou menos assim: “Deus, ah, Deus... Eu acredito que Deus tenha coisas muito mais sérias com o que se preocupar do que uma pecinha que uma tal de Fernanda Montenegro está pensando em fazer num lugar chamado Brasil”. Seguindo este raciocínio, se Deus tem pouco tempo para pensar na grandeza de uma Fernanda Montenegro, é bem provável que ele tenha menos tempo ainda para pensar em quem não chegou tão longe. Como eu e quase todos nós. E ele não está sozinho nesta determinação. Ao lado dele, há centenas, milhares de pessoas que talvez não estejam mesmo interessadas no que venhamos a fazer. Ou por não gostarem daquilo que fazemos ou simplesmente por não terem interesse em tudo o que temos a dizer e a mostrar. E como é bom que isso aconteça, como é (com perdão por repetir a palavra) libertador aceitar que nossa voz não precisa chegar aveludada a todos os ouvidos. Como é bom, enfim, compreender sem mágoas que as pessoas, legitimamente preocupadas com suas vidas, têm o direito inegável de voltar seus interesses e afeições para outra coisa que não sejamos nós.
Estou falando sobre isso para revelar, por fim, que hoje eu sinto menos pavor quando um trabalho meu começa a mostrar as caras. Já disse aqui, também, o quanto as peças Ensaio Para um Adeus Inesperado e A Noite do Aquário são textos caros e doloridos em minha vida. Eu olho para eles e sinto que eles sintetizam o que eu poderia fazer de melhor no momento e nas condições em que eles foram criados. Em outra época, talvez eles saíssem mais refinados e sensíveis; em outras épocas, quem sabe, poderiam resultar menos sinceros também. Então entendo que, no momento exato em que foram gerados, eles levaram de mim toda a potencialidade que eu tinha conseguido acumular na vida até aquele instante. E, justamente por serem tão caros a mim, não posso colocar sobre as costas deles, os textos, a terrível obrigação de encantar a todos que um dia vierem a ter contato com eles. Haverá, e espero que sejam muitos, os que sairão comovidos deste provável encontro, outros dirão que tudo pode não passar de uma grande bobagem. E é exatamente nesta discordância e neste desequilíbrio que está toda a graça da vida, que está todo o desafio e a beleza de escrever.
Como tudo aquilo que se pretende belo, a exemplo do amor, da amizade e do afeto possível, os textos (e outras coisas que por ventura viemos a produzir) também podem se revelar de uma fragilidade suprema. E, por serem frágeis, por serem no fundo um amontoado de palavras dispostas com a intenção de produzir algum significado, os textos podem desmoronar com a brisa leve que entra por uma fresta da janela que esquecemos aberta. Entender e aceitar que estes textos vieram ao mundo é o máximo que eu posso esperar deles. Ambicionarr que todas as pessoas, todas as pessoas indistintamente gostem deles, é exigir demais. Deles, de mim e das pessoas. Só assim outras coisas nascerão, seja para o aplauso, seja para o dolorido silêncio. E ainda bem que é assim.
quarta-feira, maio 27, 2009
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13 comentários:
Você não faz idéia de como seu texto fez o meu dia, a minha semana, quiçá o meu ano mais feliz.
De coração.
Eu adoro passar por aqui e catar as perolas de sabedoria que caem do teclado do seu computador !
Ownnn...
Muito obrigado, querido.
Seu comentário teve efeito igual sobre mim.
beijão
roveri
Corajoso e comovente. Sergio, vc se supera a cada vírgula. Que lindo. Parabéns.
Ô, meu lindo, primeiro o comentário do Otávio. Agora o seu. Não adianta, eu não vou chorar. Esta coisa aqui no meu olho é só irritação, juro.....
talvez o texto mais sutil, belo e desolador (por isso mesmo muito carregado de esperança) que você já escreveu aqui. como mário e otávio, você deixou-me engasgado de emoção. guza
Guza, querido. Existem algumas coisas que saem raspando da garganta e dos dedos, né? Que bom que você, Mário e Otávio entenderam bem isso.
beijos.
Dramaturgo cada vez mais maduro que você é. Maduro por saber o lugar e a importância de sua arte. E isso se reflete resplandecentemente em suas peças. Escritor lindo que você é!
Poxa, Kiko, que honra. Muito bonito o que você escreveu. Foi você mesmo? (brincadeirinha, ainda mais agora que você vai ter diploma....)
Oi, me conta como foi a estréia da peça!
Adorei seu texto. Penso que a maior superação de um artista deve ser conseguir ultrapassar a necessidade de aprovação alheia. Não só do artista mas de todo ser humano. É uma libertação... Sucesso e força na sua.
abraços
Karla
Oi, Karla, tudo bem? A estreia foi muito bacana, teatro lotado, gente querida na plateia. Saí muito satisfeito com o resultado. Agora é torcer para termos uma boa temporada, né? Apareça quando puder. abração, sérgio
Adorei o blog, Roveri. Passei aqui tb porque gostaria de trocar umas impressões com vc. Um grupo de jovens atores me procurou querendo colocar crônicas minhas à la aquelas que eu fazia no JT - lembra-se?- no palco. E aí tomei gosto e comecei a colocar uns diálogos no papel. Que tal em nome da velha amizade umas dicas? Abraços - Carlos Castelo (albicastro@uol.com.br)
Roveri, não me canso deste texto. Posso reproduzir (com os devidos créditos, bien sur) no meu blog?
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