Eu
nunca tinha ouvido falar no boxeador norte-americano Emile Griffith até o dia
24 de julho de 2013, uma quarta-feira, quando, ao ler o caderno de Esportes do
jornal Folha de S. Paulo, me surpreendi com o seguinte título: “Primeiro
Campeão a Assumir a Bissexualidade Morre nos EUA”. Logo abaixo do título, uma
pequena linha explicativa: “Emile Griffith, 75 anos, levou à morte rival que o
havia chamado de homossexual”. Li a matéria com uma curiosidade incomum e, ao final
do texto, que ocupava um quarto de página, já tinha decidido que aquela
história, a história do boxeador pobre e negro, nascido em uma ilha do Caribe,
cinco vezes campeão mundial e que viu seu mundo virar de ponta cabeça numa
noite de abril de 1962, quando seus golpes provocaram a morte do boxeador
cubano Kid Paret, que o havia chamado de bicha na véspera do combate, seria meu
próximo projeto teatral. Uma rápida pesquisa na internet, naquela mesma
quarta-feira, me revelou que a morte de Griffith era destaque nos principais
jornais dos Estados Unidos e Inglaterra – países em que ele disputou títulos
mundiais com mais frequência. Sua trajetória atribulada, suas vitórias e
derrotas (dentro e fora do ringue) e o preconceito do qual foi vítima durante
toda a vida por ser homossexual no universo assustadoramente homofóbico do boxe
ocupavam páginas e páginas na imprensa estrangeira, em reportagens e artigos
assumidamente apaixonados.
Como
naquele 2013 eu estava envolvido em outros trabalhos, o projeto de escrever uma
peça inspirada na vida do boxeador repousou por quase dois anos na gaveta – só na
gaveta, mas não na minha cabeça. A todo instante eu anotava alguma ideia para o
texto e, sempre que tinha a possibilidade, falava sobre a vida do boxeador para
os amigos. Assim como eu, eles jamais tinham ouvido falar sobre ele. E, assim
como se deu comigo, todos ficavam invariavelmente obcecados pela história. Em
meados de 2015, a Secretaria da Cultura do Governo do Estado lançou um Proac de
Incentivo à Produção Literária – Dramaturgia. Reli tudo que havia colecionado
sobre Emile Griffith e inscrevi no edital o projeto 12º Round. Ter sido um dos
contemplados foi fator decisivo para que eu, finalmente, deixasse outros
trabalhos de lado e passasse a me dedicar com mais afinco à pesquisa sobre a
trajetória do boxeador.
Como
as coincidências às vezes vêm ao nosso socorro, no segundo semestre de 2015 o
jornalista britânico Donald McRae lançou A Man’s World: The Double Life of
Emile Griffith”, excelente biografia do boxeador ainda sem tradução para o
português. Em pouco mais de 400 páginas, o jornalista fez um retrato comovente
e profundamente humano do jovem de voz fina e mãos macias que, antes de se
tornar campeão mundial de boxe, trabalhava numa fábrica de chapéus femininos. Concluída
a leitura do livro e de todo material sobre Griffith que coletei em diversas
publicações disponíveis na internet, o espetáculo 12º Round estava pronto para
nascer. E o texto nasceu no ringue, nasceu com o formato de uma luta de boxe:
são doze cenas de três minutos de duração, seguidas por cenas curtas, de um
minuto, que representam o intervalo entre os ringues. 12º é uma peça, mas é
também uma luta. Uma luta de boxe e uma luta de um homem contra o preconceito e
a discriminação.
A primeira leitura pública do espetáculo 12º Round foi realizada no dia 30 de setembro no Auditório da Biblioteca Alceu Amoroso Lima, pelos atores Clara Carvalho, Pedro Henrique Moutinho e Sérgio Mastropasqua. A direção de José Roberto Jardim utilizou projeções com imagens de arquivo de Griffith e uma emocionante trilha sonora de canções spirituals.
Nenhum comentário:
Postar um comentário