No último sábado, dia cinco,
algumas horas antes do início da Virada Cultural, a cantora Maria Rita levou 60
mil pessoas ao Parque da Juventude, onde, pela primeira vez em dez anos de
carreira, decidiu se arriscar pelo consagrado repertório da mãe, Elis Regina.
Não fui, mas acredito que pelos ingredientes envolvidos no evento deve ter sido
emocionante. Um amigo que esteve lá disse que a cantora chorou várias vezes
durante a apresentação – no que foi acompanhada por milhares de fãs. É
compreensível.
Assisti a três shows de Maria
Rita, todos antes de ela gravar o primeiro CD e imediatamente se tornar uma das
cantoras mais famosas do País. Assim, pelas minhas contas, há pelo menos uns
oito anos que não a vejo ao vivo. Tive, também, a oportunidade de entrevistá-la
numa época em que a curiosidade sobre a sua figura era assustadora (se é que em
algum dia deixou de ser). A entrevista foi agendada pelo grande músico e amigo
querido Chico Pinheiro. Estávamos em 2002 ou 2003, não sei ao certo, e Maria
Rita, sem discos gravados e sem o rosto na tevê e nas revistas, fazia uma
participação especial nos shows do Chico – aparecia lá pela metade, cantava
duas ou três músicas, deixava a plateia em estado de choque e saía do palco
balançando o corpo de uma maneira que todos, por mais materialistas e
descrentes que fossem, passassem a acreditar em reencarnação.
A entrevista, de no máximo vinte
minutos num fim de tarde, foi feita nas mesinhas do saudoso bar Supremo, na
esquina da Consolação com Oscar Freire, onde ela, Chico e a também cantora
Luciana Alves se apresentariam logo mais à noite. Cavalheiro até não mais
poder, Chico Pinheiro chegou antes de Maria Rita, me chamou no canto e, cheio
de dedos, perguntou se a entrevista poderia se concentrar no trabalho de Maria
Rita – e não nas recordações da mãe famosa. Maria Rita chegou logo depois,
sentou-se na minha frente e me deixou visivelmente encabulado. Evitei falar da
mãe, claro, mas não consegui deixar de encarar aqueles olhinhos ligeiramente
estrábicos – um olhar que o Brasil inteiro se recordava de ver no rosto de
outra pessoa.
Fui ao show daquela noite na
companhia dos jornalistas e amigos Alberto Guzik, Regina Ricca, Bárbara
Oliveira e da atriz Tuna Dwek. O Supremo estava abarrotado – o que significa
dizer que havia ali no máximo cem pessoas. Chico começou o show com sua
habitual competência e o bom gosto de repertório que tem sido sua marca desde
sempre. Só que havia uma certa tensão no ar, uma eletricidade que perpassava todos
os presentes, aquela sensação que temos na iminência de receber uma notícia que
ainda não sabemos se será boa ou má. E então entrou Maria Rita.
O que se passou ali durante
as três breves músicas que ela interpretou talvez mereça, algum dia, um post à
parte. Antes de começar a segunda canção, ela olhou para a plateia e pediu: por
favor, vocês não vão me fazer chorar, hein? Ao que Tuna Dwek emendou: mas É
você que está fazendo a gente chorar. A recordação que guardo é de que não foi
exatamente um show – por alguns momentos, cada um de nós parece ter sido
conduzido para uma outra época, um outro local e provavelmente na companhia de
outras pessoas. Não sei se fomos para algum lugar melhor, só sinto que para
algum lugar nós fomos.
Quando o show terminou,
aceitei o convite do Alberto Guzik para tomar um café. Coisa rápida, ele me
garantiu. Sentado em uma das mesas do Frans Café, ali na Haddock Lobo, Guzik
confessou que ao ouvir Maria Rita ele não tinha parado de pensar na Elis Regina
(até aí, ele e a estação da Sé do metrô às seis da tarde). Mas não exatamente
na cantora e em seu repertório – e sim no que havia sido a vida dele naquele
hiato de 20 anos, do desaparecimento da mãe ao surgimento da filha. Entre estas
duas vozes, ele me disse, muita gente foi embora da minha vida. Eu sabia ao que
ele se referia. E finalmente derramou todas as lágrimas que represara durante o
show.
Agora já se passaram mais dez
anos desde aquela noite. E o próprio Guzik entrou para o time dos que foram
embora. Mas pensar naquela noite, naquele show e naquela conversa não me deixa
triste. Saudosista um pouco, mas triste, não. Otimista que era, tenho certeza
de que, se o café tivesse durado mais um pouco, Guzik também teria falado das
pessoas que entraram na vida dele e que, até onde eu sei, eram pelo menos em
número maior do que as que haviam partido. Já que a vida é isso mesmo, esta
eterna despedida de pessoas queridas e esta eterna chegada de outras pessoas
igualmente queridas, no fundo é uma benção que todo este entra-e-sai possa ter,
de vez em quando, a voz da Elis (tá bom, e da Maria Rita também, vai...) como
trilha sonora.
5 comentários:
Lindo texto Roveri. Parabéns!
poxa, emocionante...
Adorei e quero mais. Bjs e bom retorno ao blog!
que lindo, Roveri querido. Me fez lembrar de muitos momentos da gente também... beijos para vc. e quando quiser ler algo meu tb -- e quem sabe matar saudades da nossa dupla -- o meu blog é http://crisramalho.wordpress.com
bjs
Que bom que você voltou a postar!
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