sexta-feira, outubro 09, 2009

Fernanda Montenegro

Na próxima sexta-feira, dia 16, a atriz Fernanda Montenegro chega aos 80 anos. Eu a entrevistei na semana passada, para uma matéria publicada na edição de hoje do jornal Diário do Comércio. Compartilho aqui com vocês alguns momentos da conversa

Seus 80 anos estão sendo considerados como uma efeméride para o teatro brasileiro. Que importância esta data tem especificamente para você?
Fernanda Montenegro: É absolutamente marcante no sentido de que 80 anos é um número que representa o infinito. É o limite a que um homem pode aspirar a chegar com inteireza. Os noventa minutos da minha partida nesta vida já estão transcorridos. Passo, agora, a viver o tempo complementar.

O que você sente ao dizer isso?
Serenidade, até porque não tem outro jeito. É assim o jogo da vida. Mas não há nada de especial ou único nisso. Inúmeros colegas meus estão chegando aos 80 e alguns poucos aos 90. Estamos todos trabalhando sem o caráter de uma exibição circense. Estamos vivos e organizados mentalmente, com produtividade e, acima de tudo, com qualidade artística. Não há mais novidade nisso, o ser humano aprendeu a chegar produtivo aos 80 anos.

Esta qualidade artística a que você se refere é aprimorada com o passar do tempo e o aprendizado?
Nesta vida de artista somos expostos a uma série de experiências, de propostas, de alternâncias estéticas. Só no teatro eu passei por quase 90 espetáculos. Isso garante a qualquer ator uma imensa mobilidade. Desde que você não seja uma pessoa preconceituosa, você pode experimentar tudo, o convencional, o marginal, o alternativo.

Em quais espetáculos você sentiu o peso do marginal ou do alternativo?
A Volta ao Lar, de Harod Pinter, por exemplo, foi um auê em 1967. As pessoas vaiavam e abandonavam o teatro quando minha personagem era humilhada e chamada de prostituta pelo sogro. Também experimentei este universo em textos do suíço Friedrich Dürrenmatt e de Nelson Rodrigues, um autor que joga sempre com a possibilidade da busca. Mas eram tempos em que as coisas ainda chocavam. Hoje nada mais choca.

Você já disse que poucos artistas conheceram este País tão bem quanto você e o Paulo Autran na época em que excursionavam com seus espetáculos produzidos com empréstimos pessoais feitos nos bancos. Fazer teatro hoje ficou mais fácil?
Eu sou uma mambembeira. O ofício do teatro é e sempre será difícil porque ele nunca é solitário. Você não fica num banco de jardim pintando ou escrevendo suas elucubrações sobre a vida. Você precisa se locomover, se associar a pessoas. Uma produção minúscula viaja com no mínimo seis pessoas. Mas as coisas mudaram. Hoje o teatro assumiu um caminho de total dependência do governo, tudo tomou um outro rumo. Infelizmente, o teatro parece não existir mais sem as verbas públicas, já que os ingressos não correspondem aos custos de produção. Este é um assunto sobre o qual poderíamos passar dias conversando. Não é que eu não me sinta disposta a falar sobre isso, mas este assunto consumiria todo o nosso tempo.

Você acredita que criou uma escola Fernanda Montenegro de interpretação? Reconhece seu estilo em jovens atrizes?

Escola? Eu? Não tenho esta pretensão, confesso que nunca havia pensado nisso até este momento. Isso é algo que não ocupa a minha cabeça, de modo algum. Mas, já que você tocou neste assunto, vou começar a reparar no trabalho de outras atrizes. Quem sabe daqui a algum tempo eu lhe telefone para dizer: olha, aquela pergunta ainda está de pé? É que descobri uma.

Você é mãe de dois artistas reconhecidos, a atriz Fernanda Torres e o diretor Cláudio Torres. Que peso isso tem em sua contabilidade de vida?
Eu dei todo mundo para o mesmo ramo. Eles estão fazendo o que querem fazer. São pessoas vocacionadas e, com olhos nem tão maternos, posso dizer que eles têm talento para fazer o que optaram.

Hoje, quando você examina seu extenso currículo, você diria “que bom que fiz aquilo” para que trabalhos?
Que bom que eu trabalhei por tantos anos na Rádio do Ministério da Educação e Cultura no Rio de Janeiro. Que bom que eu fiz a tevê Tupi nos anos 50. Que bom que eu fiz o Grande Teatro Tupi, que durou até 1967, época em que pudemos levar para o grande público os melhores textos de teatro e de literatura. E que ótimo tudo o que eu fiz em teatro.

O ótimo vai para o teatro?
Eu acho que tudo o que fiz no teatro foi ótimo pelo seguinte motivo: algumas peças me deram um excelente resultado artístico e as que não deram me ensinaram como melhorar. Tive momentos consideráveis de qualidade e outros de negatividade. Este é um mural que me honra muito. É um mural que me educou.

Você gosta de trocar experiências com artistas mais jovens?
Gosto muito, e não existe mérito algum nisso. As trocas são importantes porque nós não somos eternos e vivemos a partir da substituição das gerações. Isso é próprio da luta para ser e existir neste métier. Eu preciso saber por quais caminhos os novos artistas estão indo.

Você chega aos 80 anos com algum medo ou pacificada com suas apreensões?
Eu tenho medo. Não se pode chegar aos 80 anos sem medo, principalmente no campo da saúde, ainda que se possa contar com algum tipo de socorro imediato. Há a decadência física, a finitude chegando e você não sabe bem por onde ela virá. Aos 40 anos você começa a pensar que a morte existe. Aos 80, ela é uma realidade. Ela existe e ela virá sempre disfarçada. E, como ela virá disfarçada, você pensa com apreensão sobre o disfarce com o qual ela irá se apresentar a você. Não vivo me autoperscrutandoo, mas a apreensão existe.

7 comentários:

Mário Viana disse...

MEUS SAIS, ESSA MULHER É O MÁXIMO!!!! A RESPOSTA QUE MAIS ME EMOCIONOU, ENTRE TANTAS, FOI A DO TEATRO QUE ENSINA QUANDO NÃO É SUCESSO... QUE LIÇÃO PROS PERNÓSTICOS DE HOJE, QUE NÃO PODEM RECEBER UMA CRITICAZINHA SEM QUERER DECLARAR GUERRA AO MUNDO...

MERCI, SERGIÔ!!!

Só no blog disse...

Mário, querido. Quando ela deu esta resposta, eu pedi pra ela repetir, te juro. Achei que não tivesse entendido direito. E ela repetiu com mais ênfase ainda... bj

tete bezerra disse...

VC É QUE É FELIZ.ENTREVISTAR A GRANDE DAMA DO TEATRO É UMA EMOÇÃO E PRIVILÉGIO.

Paulo Cunha disse...

Entrevistada e entrevistador igualmente fantásticos. Parabéns, meu caro. A resposta que mais me impressionou foi a que ela disse ainda ter medo dos fantasmas. Isso é de uma sinceridade e serenidade impressionantes. Abração, meu querido.

Só no blog disse...

Tete e Paulo, meus queridos. Muito obrigado pela visita aqui. É sempre um prazer. Bom ter gente como vocês pra gente compartilhar alguns prazeres da profissão....

Anônimo disse...

Obrigada por nos brindar com um pouco dessa conversa que teve com uma atriz que, realmente, tem "algo a dizer"! Infelizmente, hoje em dia, são poucos os atores que podem nos proporcionar esses momentos de prazer.

Só no blog disse...

Oi, Lu, eu que agradeço pela visita. abração