A faxineira de um amigo é uma mulher negra e solitária. Nunca se casou. Vive em dois cômodos pequenos em Franco da Rocha, município da Grande São Paulo que só é citado na imprensa por seus índices de violência. Para vir trabalhar, no bairro das Perdizes, toma um trem de subúrbio e depois mais dois ônibus. Calculo que, num dia tranqüilo, ela deva gastar duas horas para vir ao trabalho e talvez um pouco mais para voltar para casa, na hora do rush.
Com todas estas credenciais, um dia ela chegou para este amigo e perguntou: “Seu Gustavo, é verdade que tem gente que não é feliz? Eu não entendo isso, como é que alguém pode não ser feliz nesta vida?”
Mais do que em definições filosóficas ou conceitos psicanalíticos, é nesta pequena história que eu penso sempre quando a palavra felicidade – e sua presença ou ausência em nossas vidas – me vem à mente. Maria, se não me engano é este o nome dela, concentra quase todas as particularidades que definem grande parte do trabalhador brasileiro: vive longe do emprego, tem uma remuneração baixa, só entra nos bairros da classe média pelas portas dos fundos e provavelmente sonha em algum dia ter uma casa igual àquela que ela limpa. E como é que Maria responde a tudo isso? Sendo feliz.
Quando me lembro desta história – e me lembro muito dela – imediatamente penso em tudo aquilo que parece ser necessário à nossa felicidade. Um amor, algum dinheiro, a possibilidade das compras, conforto, bem-estar, realização profissional, uma viagem no horizonte, horas dedicadas à leitura e ao lazer, cuidados com o corpo, bons amigos, um doce far-niente e a certeza de que estamos seguros quando passamos a chave na porta. Examino todos estes itens e penso que a maioria deles seja estranha a Maria. Ou desnecessária. Não a conheço, mas desconfio de que sua felicidade dependa apenas de sua capacidade de trabalhar e se manter, de seu otimismo em relação ao mundo e do fato inquestionável de estar viva.
Aos nossos olhos, não digo aos nossos olhos de classe média, mas aos nossos olhos que em algum momento de nossas vidas se tornaram tão insatisfeitos, tudo que faz Maria feliz nos parece tão pouco e, assumamos, quase desprezível diante da nossa imensa sede que não se sacia com quase nada daquilo que temos.
Acho que Maria sim é um livro de auto-ajuda, sem chavões, sem conselhos bobos e sem moralismos a preencher páginas inúteis. Mas algo me diz que sua receita não se ensina.
quinta-feira, outubro 22, 2009
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6 comentários:
Lindo, lindo, Sergio... Maria e não Pollyana! Sempre!
você e essa sensibilidade que sempre nos encanta. agora fiquei com mais saudades ainda... beijo
Bela lição de vida que a Maria nos deu! Ela, na sua vida simples e feliz, também me fez pensar em "tudo aquilo que parece ser necessário à nossa felicidade".
Valeu, Rogério, por compartilhar essa experiência de vida com a gente, através deste belo texto! Abç
Serginho, queria postar um texto seu antigo no meu blog, "nosso amor de ontem", deixa? com o devido crédito, claro.eu achei incrível, até guardei. outro dia li pro Laerte e ele já roubou minha idéia e postou também! haha. posso? (podemos?). beijo, querido
Claro, querida. O blog é nosso. fique à vontade. beijão
eu sempre digo que a felicidade independe das coisas exteriores. ela está dentro da gente, tem a ver com estar bem consigo mesmo.
bj
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