Antes que alguém pense que este blog está se tornando especialista em histórias de faxineiras e diaristas, já vou adiantando que não é o caso. No último post, falei sobre a vocação para a felicidade da Maria, diarista de um grande amigo. Hoje eu iria falar sobre um episódio desagradável envolvendo o twitter – do qual talvez eu tenha me afastado até segunda ordem – mas um pequeno diálogo ocorrido de manhã, aqui em casa, me fez mudar de ideia. Vou falar sobre a Malu, a diarista que me foi recomendada há cerca de três meses. E que, por sinal, é ótima.
Sei muito pouco sobre ela – como em geral sabemos pouco sobre as pessoas que trabalham ao nosso redor. Ela diz ser cozinheira diplomada, especialista em comidas baianas e drinques eróticos. Esta informação já rendeu várias piadas entre meus amigos, mas juro que são habilidades que ela alega possuir. Malu trabalha cantando o dia inteiro. Liga o rádio assim que chega, em uma emissora que só toca hits. Ela acompanha cada uma das músicas, sejam elas em português, inglês ou mesmo italiano. Não entendo direito o que ela canta, mas acho que é sempre bom ter alguém cantarolando dentro de casa. Eu mesmo já fiz muito isso, hoje ando muito mais calado.
Malu adora meus dois gatos, o Pirulito e a Ritinha, e fico muito constrangido em constatar que este amor não é recíproco. Logo que ela abre a porta, nas manhãs de quinta-feira, o Pirulito se esconde debaixo dos cobertores e a Ritinha pula em cima do armário da cozinha – às vezes ele pula junto, mas é raro (como no caso da foto no alto da página). Só voltam a circular pela casa quando ela vai embora. Eu já expliquei a Malu que eles resistem aos afagos dela porque é ela quem liga o aspirador aqui em casa – e um bicho que dorme 18 horas por dia odeia quem faça barulho por perto.
Isso era tudo que eu sabia sobre a Malu até hoje de manhã, quando ela foi tirar o pó dos sofás. Enquanto batia as almofadas, ela me disse: “Seu Sérgio, o senhor precisa comprar uma nova capa para estas almofadas”. Concordei com ela, dizendo que precisava mesmo, porque as almofadas estavam velhas. “O problema não é que elas são velhas”, Malu respondeu. “Tem muita coisa velha que é bonita. O problema é que elas são feias demais, Deus me livre”. Olhei para ela sem nenhuma resposta pronta, tomei banho e saí para trabalhar.
Não pensem que fiquei chateado com a observação da Malu. Ao contrário, eu adorei. Nem tanto pelo motivo da observação, e sim pela sinceridade com que ela se referiu às minhas velhas almofadas, que talvez sejam feias mesmo. Em seu lugar, eu teria feito mil rodeios, teria dito que talvez fosse elegante substituir as capas das almofadas de vez em quando, que a sala poderia ficar mais alegre, enfim, eu jamais diria que as almofadas de alguém são feias, ainda que fosse isso o que eu estivesse pensando. Confesso que senti uma inveja danada da Malu ao pensar em todas as ocasiões em que eu não fui capaz de dizer não, em que dourei a pílula, em que engoli em seco algo que deveria ter colocado para fora, todas as vezes em que, em nome de uma certa polidez, a gente acaba fazendo papel de bobo. Ninguém aprende a ser tão sincero e direto de uma hora para outra nesta vida, mas se a Malu continuar em casa por mais algum tempo, é bem capaz de eu criar coragem para começar a falar de todas as almofadas velhas e feias que cruzam o nosso caminho...