segunda-feira, dezembro 21, 2009

Minha antilista

Como não sou tão ambicioso para indicar Mil Lugares Para se Conhecer Antes de Morrer, humildemente transcrevo abaixo DEZ FRASES QUE EU NÃO GOSTARIA DE OUVIR EM 2010.

1. Olha, o problema não é você, sou eu

2. Sinto muito, mas nossa cozinha acabou de fechar

3. Claro que você não é feliz, você vive se boicotando

4. Tio, posso dar uma olhadinha no carro?

5. Também, você quer resolver tudo sempre sozinho

6. Temos uma esperinha de 40 minutos a uma hora

7. O processo foi arquivado por falta de provas

8. AlÔ? É o gerente da sua conta. O senhor teria cinco minutinhos...

9. Pôxa, esqueceu que tem mãe, é?

10. Nunca antes na história deste país

domingo, dezembro 20, 2009

Desejos

Há muito tempo que deixei de fazer planos nesta época do ano. Basicamente por acreditar que cada plano se convertia em uma expectativa que eu jogava sobre minhas costas – e a chance de me curvar diante de tanto peso sobre os ombros era gigantesca. Resolvi facilitar as coisas para mim mesmo e relaxei. O que terá de vir, acredito, virá. E o que não era para ser meu, que encontre boa acolhida em mãos alheias. Não há nada de elevação espiritual nesta atitude, é só praticidade mesmo. Fui percebendo, ao longo dos anos, que o acaso sempre falou mais alto que meus planos e que grande parte daquilo que conquistei partiu de convites, associações com amigos e mesmo de ideias alheias – que nada mais são do que outros nomes para o acaso.

Eu me recordo com muita clareza do momento em que resolvi pensar assim. Era noite de 31 de dezembro (que óbvio!) e eu estava na Praia de Jabaquara, em Paraty, uma prainha que mais parece uma lagoa de água quente. Ou, como disse um amigo que estava comigo, uma banheira sem ondas e cheia de xixi. Não importa. Faltavam alguns minutos para a meia-noite e eu podia observar a concentração das milhares de pessoas na areia, acendendo velas, professando desejos silenciosos, rezando talvez. E minha cabeça estava completamente vazia. Não conseguia desejar nada, não conseguia pensar em nada concreto para o ano que teria início dali a poucos instantes, não imaginava como seriam meu trabalho, minha saúde, minhas aspirações. Nadinha. A mente estava estranhamente pacificada e vazia. Era como se eu estivesse num restaurante de comida exótica e cardápio ilegível: não adiantava escolher, tudo que me fosse servido seria estranho e arriscado. Mas poderia ser prazeroso também. Era um jogo. O jogo de estar vivo.

Mas, como a atmosfera do local parecia exigir um desejo urgente para o ano novo, fiz o meu. E é o que eu repito até hoje, esteja eu nos últimos dias de dezembro, como agora, ou numa segunda quinzena de um julho qualquer: que eu saiba dar boas-vindas a tudo de novo que chegar na minha vida e que saiba, acima de tudo, dizer adeus ao que está indo embora. Pode parecer bobinho, mas talvez seja um aprendizado que exija uma vida toda – a certeza de que a permanência não existe e que tudo está mudando. Nem sempre para melhor. Mas nem sempre para pior também. E, entre o que chega e o que vai, que eu tenha o bom senso de ser caloroso e hospitaleiro com aquilo que realmente se anuncia como bacana, e que reserve a minha saudade sincera para os grandes afetos que eu não souber, ou não puder, conservar ao meu lado.

Porque um ano novo, um mês novo, um dia novo e talvez até uma hora nova não passam exatamente disso: de uma contabilidade em que ganhamos aqui e perdemos ali. E a esperança, neste jogo, talvez seja a torcida para que o placar penda a nosso favor. Embora eu acredite que o que vale mesmo é a partida. Assim, já que não temos outra alternativa mesmo, que venha o apito de 2010, então.

sexta-feira, dezembro 04, 2009

De molho

Por motivos que fugiram à minha vontade, me vi obrigado a manter distância dos computadores – e por conseqüência deste espaço – por um período de 15 dias no mínimo. Se eu fosse um pouquinho mais prudente, não deveria estar aqui. Mas senti saudade. E como acredito que o médico que me despachou para o estaleiro por duas semanas nem sabe da existência deste blog, resolvi desobedecer um pouquinho. Prometi a mim mesmo que vai ser jogo rápido.

Fui operado de uma hérnia inguinal na terça-feira da semana passada. O procedimento é relativamente simples. Em menos de duas horas eu já estava deixando o centro cirúrgico, praticamente consciente, com um talho de uns dez centímetros na virilha esquerda, que até hoje está com as bordas ligeiramente inchadas e vermelhas. A aparência do corte fez com que alguns amigos mais safados – e todos nós os temos, não é – passassem a comentar que eu tanto fiz que finalmente consegui ter uma xoxotinha paga pelo plano de saúde. Não sei se por ela ter aparecido muito tarde na minha vida, ou por ter sido esculpida um pouco mais à direita de onde deveria estar naturalmente, o certo é que minha xoxotinha genérica dói pra caramba.

Pequenos prazeres fisiológicos que acompanham todos os homens desde a mais remota infância, como fazer pontaria com o jato de urina na privada, tornaram-se um tormento para mim. Fazer xixi dói e sobre aquela outra coisa, então, é melhor nem falar. Quando se aproxima o momento de eu prestar contas com o banheiro, fico pensando que talvez a vida, ao menos nesses dias, seria bem mais fácil se eu fosse membro daquela seita de pessoas que só se alimentam de sol. Nunca foi tão sofrido dizer adeus aos meus excessos alimentares.

Mas o mais estranho neste pós-operatório em que tenho de fazer repouso quase total é perceber o quanto mudou a minha relação com o dia. Ou com as horas do dia. Eu tenho tão pouca coisa a fazer que fico sinceramente excitado quando chega a hora de aplicar minhas compressas de água quente na região do corte. O médico me disse que três vezes por dia seriam suficientes, mas eu tenho feito cinco, na esperança de que o dia passe mais rápido e a noite me encontre com o cansaço de um estivador.

Na tentativa de tirar algum proveito concreto destes dias, tenho lido os jornais de cabo a rabo. Até mesmo aqueles cadernos de automóveis e classificados, que iam direto do sofá para a lata do lixo sem jamais serem abertos, hoje despertam meu interesse e preenchem minhas horas arrastadas com informações tão valiosas quanto a oscilação do preço do metro quadrado nos imóveis da Vila Prudente. Fiquei sabendo também – e o fato me causou uma profunda revolta – que o jogador Vagner Love, do Palmeiras, foi agredido em uma agência bancária no bairro das Perdizes. Minha indignação foi tanta que, ao ler a notícia até o final, corri para o Google para saber quem era o Vagner Love. Descobri que é um jogador que usa umas trancinhas no cabelo. Em algumas fotos ele surge de trancinhas azuis, em outras, de trancinhas verdes. Estou na torcida para que ele mude a cor das trancinhas nos próximos dias, o que me garantiria mais uns três minutos de informação a ocupar o meu tempo.

A hora mais ingrata, no entanto, é aquela em que os amigos ligam. Eu adoro quando eles ligam e espero o telefone tocar com sofreguidão. O problema é sempre a primeira pergunta que eles fazem: e aí, o que você fez hoje? E eu respondo: até agora, nada. E não importa se o telefonema ocorra às dez da manhã ou às onze da noite, a minha resposta será sempre a mesma: não fiz nada. A outra pergunta que eles fazem é a seguinte: eu estava pensando em te visitar, qual é a melhor hora pra você? E minha resposta também é sempre igual: a hora que você vier para mim está perfeito. A chance de eu ser encontrado em casa é total e absoluta.

Mas ontem eu me rebelei perigosamente: vesti uma bermuda (não agüentava mais me ver de cueca há dez dias), calcei um par de tênis e peregrinei feito um romeiro cansado até a locadora que fica a 50 metros de casa. O tempo que eu levei capengando para ir, escolher um filme e voltar seria suficiente para ver E o Vento Levou na íntegra. Retornei para casa com a mesma sensação de vitória da personagem da atriz Alinne Moraes na novela Viver a Vida, que após passar vários dias imobilizada na cama, no capítulo de ontem conseguiu se sentar, o que levou às lágrimas todos os personagens da novela e eu aqui na minha casa, pois eu sabia o quanto estas pequenas vitórias são importantes para nós!

Daí fiquei torcendo para que alguém me ligasse para perguntar o que eu tinha feito do meu dia. Eu iria carregar a voz com esnobismo e superioridade para responder assim: “Eu? Ah, fui até a locadora sozinho...” Mas justo ontem ninguém me ligou e a resposta ficou entalada na minha garganta até agora. E só por isso eu vim aqui, contar para todos vocês, que ontem eu fui até a locadora, tá?

Me aguardem. Assim que a minha xoxotinha sarar, prometo tirar o atraso.